| Narrado por Oya |
Mais doloroso do que deixar meus filhos sozinhos numa aldeia onde as pessoas não sabem a minha verdadeira historia, é sair e não poder escuta-los depois.
Com o tempo, conheci muitas pessoas novas, inclusive uma bruxa, ela me fez acreditar que se aliaria à mim e a única coisa que ela fez foi me atrapalhar. Nunca mais cometo o erro de confiar tão bravamente numa bruxa assim.
Após deixar a aldeia e meus filhos, eu e Egungun percorremos um longo caminho. Eu vesti minha pele, coloquei ele nas minhas costas e corremos o mais rápido o possível. Precisávamos de comida e água e fomos sem nada. Enquanto corríamos, eu e meus olhos cheio de lágrimas e meu sangue fervendo de raiva, um temporal se aproximava, eram raios, era tempestade, mas nada de chuva, nada de calmaria, só estrondos. O céu vermelho estava, vermelho ficou...
Paramos debaixo de uma árvore frutífera que cobria o chão com uma enorme sombra. Deitamos, descansamos e depois escalamos a árvore e colhemos algumas frutas. Não muito afastado dali havia um pequeno rio e ali conseguimos beber água.
O calor era tonteante, meu filho mesmo morto já não aguentava mais, minha pele se esvaía em suor e se banhar naquele rio não adiantava de nada, mesmo na sombra o mormaço queimava nossa pele. As águas do rio pelavam, tudo parecia quente. Egungun, respirando ofegante, entoou algumas palavras em sua voz um pouco fúnebre e embaralhada que eu consegui entender como "tem alguém conosco".
Olhei aos redores, e com a única arma que levei comigo, uma faca não tão grande, passei em volta da árvore que era bem robusta. Não vi ninguém, mas ouvi ruídos, ouvi uma voz entoando algo parecido com um lamento, uma voz idosa, uma voz calma, uma voz diferente.
- Minha filha, ajude essa velha.
Não entendi, não havia ninguém comigo segundo os meus olhos, andei um pouco mais, vi uma velha negra atrás de umas árvores. Ela estava sentada numa pedra chorando, não podia deixa-la.
- Agô minha velha, o que faz chorando sozinha por aqui, qual seu nome?- pergunta Oyá
- Não costumo falar meu nome, mas eu sei quem é você, Oyá. Eu estou sozinha aqui pois não costumo andar acompanhada e sei que precisas de ajuda, você e Egungun, seu filho morto - diz a velha
- Como sabes quem somos? Como sabes as condições de meu filho?
- interroga Oyá- Sou uma velha bruxa, Oyá. Conheço tudo e todos. Sei que sua primogênita mente à seu pedido, todos pensam que ela é deficiente, mas és uma menina saudável, inclusive, até de mais, mas não estou aqui para julgar, estou aqui para me aliar e ajuda-los.
- Com o que? Eu posso viver com meus filhos de novo?- pergunta Oyá eufórica
- Dependendo de mim você pode tudo minha filha, mas também preciso de sua ajuda. Você precisa me ajudar a cegar Ifá quando se tratar de mim. Todos os babalawòs sabem o que eu faço, sabem por onde ando e preciso que não saibam, se não as coisas não vão andar bem nem para mim e nem para você.
- Isso não é perigoso? Cegar um jogo de ifá...- Oyá questiona
- Um não...todos, bela Oyá - termina a velha
Ela me passou exatamente todas as coordenadas e instruções para ajuda-la a fazer o feitiço que cegaria os jogos de Ifá que tentassem enxerga-la. Fui atrás de alguns coelhos, uma preá, alguns brotos e ela se encarregaria do resto.
Com uma enorme panela de barro em cima de uma pequena fogueira, a velha juntou outros ingredientes que ela já havia arrumado e começou a cantar algumas cantigas que nunca tinha escutado na minha vida. Aquilo virou uma enorme bola de vidro bem quente que ela pegou e enquanto suas mãos queimavam com toda aquela quentura, ela rezou mais alguns adurás e depois de ter me pedido e pedido para Egungun, junto dela, repetir aquelas palavras, num só golpe ela jogou aquela bola no chão que se despedaçou por completo.
Enquanto o vidro salpicava o chão, ela ainda entoava aquelas palavras, eu já não entendia mais nada e depois disso ela diz "Finalmente, depois de 3 primaveras tentando, finalmente ceguei os jogos de Ifá que tentavam me parar"
Me senti culpada, mas como ela disse que isso poderia me ajudar, simplesmente agradeci e aguardei que ela me contasse outras coisas.
Se passaram 6 anos e nesses 6 anos ela me dizia que estava preparando um forte feitiço que faria com que Ogún pagasse pelo o que fez comigo e com nossos filhos... Ogún também fugiu da aldeia, Ogún foi morar em Irê. Ele fugiu de suas responsabilidades por que sabia que estava errado e a bruxa me prometeu fazê-lo pagar.
Nesses 6 anos, eu ouvia o pedido de meus filhos, e após descobrir pelo intermédio da bruxa que eu podia comandar tempestades (principalmente quando estava com muita raiva) então eu sempre mandava uma pequena tempestade com raios bem fortes para meus filhos para que eles soubessem que eu estava olhando por eles e que nenhum mal ia alcança-los.
No dia da confecção do feitiço, ela preparou os quatro cantos da floresta, fez sacrifícios extremamente fortes e como sempre, cantando aquelas cantigas. Ela me falou que o feitiço estava feito, fiquei aliviada e perguntei se podia voltar até meus filhos.
- Tão bonita, tão burra... Você foi usada, Oyá. Vim por intermédio de Ogún. Eu calei seus chifres, você não pode ouvir seus filhos, principalmente sua primogênita. Agora você está sozinha... você e Egungun, boa sorte!- falou a bruxa num tom de zombaria e partiu num piscar de olhos.
Me senti um trapo, eu só sabia chorar. Agora eu realmente estava longe de meus filhos, eu já não sabia o que fazer, agora eu estava mesmo sozinha com meu filho Egun. O que eu ia fazer? Eles não podiam ouvir minhas tempestades, eu não podia ouvir vosso chamado. E se eles estivessem em perigo? Ogún me deve, Ogún deve a todos nós..
| Narrador |
Oyá continuou caminhando com Egungun, ela sabia que agora eram só eles dois. Ela ia se vingar de Ogún e com certeza ia voltar para seus filhos. Com isso os anos acabaram se passando, e a história já estamos sabendo.
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| De volta à Alamoju |
- Idá, você está louco? Sai de perto de mim, volte para a aldeia. Que tipo de ambição é essa com o meu corpo? -
- Fica calma, pequena mulher. Eu volto, mas ainda esbarraremos muito... você ainda vai ser minha. Se despreocupe, seu segredo tá seguro comigo.
Idá volta para a Aldeia e Alamòjú coloca suas vestes e senta numa pedra. Seus pensamentos não param, ela agora só pensa em Idá. Aquele corpo estrutural e sensual, aquela voz de homem, que nem parecia um garoto de dezessete primaveras. Alamoju poderia ter se apaixonado pela primeira vez? Idá poderia ter mexido com o coração da pequena guerreira?
Alamoju pode ter esquecido que Osúmarè falou para ela tomar cuidado com os tropeços da vida... um amor poderia atrasar seu plano.
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OYA - A mãe dos nove filhos
SpiritualAlamoju, filha mais velha dos nove filhos de Oyá, encarregada de cuidar de seus irmãos, conta a história de sua mãe, de como a encontrou e de como conseguiu reunir tudo isso com a ajuda de muitas pessoas que esbarraram pelo caminho de Oyá. Tudo isso...