3 - Caindo na pilha

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"A gente se ama e se odeia com intervalos irregulares de tempo, intensa e diariamente"

(A Poesia dos Desafetos, página 136)


Quem ela é? O que ela te contou? Quantos anos ela tem? Ela curte games online? Que valor ela dá para o cabelo chanel nos filmes de Hollywood? Como assim você não sabe do que eu estou falando? Você não sabe o que é chanel? Só o cabelo comprido é importante para você? Você também acha que mulheres de cabelo curto não deveriam votar?

Foram as perguntas que Mel e Arthur metralharam em Téo, assim que o nome de Victória escapuliu. O próprio Téo estava muito interessado em ter respostas para algumas dessas perguntas, sendo que nenhuma delas envolvia a indústria cinematográfica ou cortes de cabelo de 1918. A verdade era que ele só tivera uma miserável conversa que nem uma hora durou. Foi só uma boa conversa, que, por alguns segundos, deixou Téo acreditando na possibilidade de se abrir mais e deixar outra pessoa entrar. Mas só por alguns segundos mesmo, ele nem sabia nada de Victória. Ela poderia ser, sei lá, satanista.

O ônibus deixava os três bem perto de casa. Apesar de morarem no mesmo bairro, o ponto de Téo vinha bem antes do que os de Arthur e Mel, que costumavam sempre descerem juntos. Eles viviam praticamente nas duas casas ao mesmo tempo.

- E quando você vai voltar a ver a Victória? - Arthur perguntou, sentado num banco do corredor ao lado de Mel, na janela. Téo, que já estava perto de casa, tinha se colocado de pé ao lado dos amigos.

- A gente não vai mais se ver, deixa de ser besta. Foi um encontro desencontrado.

- Achei que ela tivesse sido gentil com você - Mel comentou.

- Exatamente. Ela só foi gentil comigo - Téo frisou bem a palavra - Sabe, algumas pessoas praticam a gentileza mesmo quando não estão sexualmente atraídas.

- Você nem reconheceria se ela estivesse te dando mole - Arthur disse e revirou os olhos.

- A gente não está dizendo pra você ir lá lamber a cara dela - Mel falou.

- Na verdade...

- Arthur - Mel não deixou que o namorado completasse o pensamento - Nós só estamos dizendo que você poderia, sei lá, fazer uma amizade. Ela até deve morar por aqui também. Quase todo mundo que perambula pelo Centro mora por aqui.

- Eu só vou descer do ônibus e fingir que essa conversa nunca aconteceu, ok?

- Mas, Téo...

- Mel, deixa - Arthur segurou a mão da namorada - Não dá pra ajudar quem não quer ser ajudado.

- Cara, vocês são surreais - Téo disse, já dando sinal para descer e se afastando dos dois.

- É a sua forma de dizer que nos ama? - Arthur perguntou.

- Talvez - Téo disse, saltando do ônibus e rindo.

E isso era o que ele precisava aguentar por causa de um nome que escapuliu. Um mísero nome!

Téo notou uma lua tímida no céu, escondida entre as nuvens, enquanto diminuía a curta distância entre o ponto de ônibus e sua casa. Podia ver vários vizinhos sentados na rua, conversando, fugindo do calor que deveria estar dentro de suas casas. Nessa época do ano, o dia e a noite não davam trégua no calor. Téo cumprimentou algumas pessoas que fizeram contato visual com ele, até procurou sua mãe entre os vizinhos, e chegou ao portão de casa.

Sabe aquele subúrbio americano, com casas bonitas, grandes, parecidas umas com as outras, com quintais abertos nas frente e alguns jardins floridos? O bairro de Téo teria que comer muito arroz e feijão para ficar daquele jeito. As construções eram todas diferentes umas das outras. A cada casa que chamava a atenção pela beleza, havia nove com um portão velho, um quintal mal-cuidado e a pintura externa descascando. A de Téo, inclusive, era uma delas. A mãe vivia dizendo que iria renovar a pintura, mas os planos nunca saíam do papel. Agora que Téo podia ajudar com o dinheiro dos bicos no conserto de computadores, ele também queria ajudar a mudar a realidade da casa. Se seu pai ainda estivesse com eles, a casa já estaria irreconhecível de bonita, exigindo pelo menos uma olhada de todo mundo que passasse na rua. Por enquanto, continuava sendo uma casa simples, de uma cor esquisita entre o amarelo e o verde claro, com algumas janelas viradas para a rua e espremida entre outras duas casas, apesar de ter dois andares.

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