"Daí você acaba descobrindo na terapia que 80% da culpa é dos seus pais"
(A Poesia dos Desafetos, página 99)
Três dias depois, Victória voltava do trabalho no restaurante, descendo por uma rua na extremidade oposta da casa de Timóteo. Do outro lado do bairro, pessoas faziam coisas normais, como não sonhar com figuras religiosas em situações duvidosas. Tinha tentado prender o cabelo num coque ou num rabo de cavalo, mas desistira, deixara os cachos livres. Vestindo um casaco e uma bermuda jeans bem justa, Victória nem ligava para o contraste Cobrir Em Cima E Mostrar Embaixo. Estava sempre parcialmente preparada para as variações do clima do Rio de Janeiro.
Olhou para o portão de sua casa a alguns metros de distância e suspirou. Estava cansada de servir mesas, mas, pelo menos, era apenas esforço físico. O cansaço mental a incomodava mais. Era bom trabalhar, sair de casa um pouco para desanuviar a cabeça das cobranças de seu pai e das negligências de sua mãe.
Quando você acha que não pode piorar, ela pensou.
Suspirou porque três figuras conversavam animadamente em frente à sua casa. A figura nº 1 era sua mãe, OK, porque ela morava ali. As outras duas eram mais intrigantes. A figura nº 2 era Célia, uma vizinha que tinha como principal objetivo na vida tomar conta da vida dos outros. E era boa nisso, sabia de tudo. Sabia até do que não tinha acontecido. Por isso, ela estar ali falando com a mãe de Victória era meio preocupante.
A pior era Amanda, a figura nº 3. Jovem, bonita, influente na igreja. O demônio de salto alto, a embaixadora da sucursal do inferno na Terra, o diabo que só não vestia Prada por falta de recursos.
- Vic! Onde você estava? Seu expediente já acabou há horas. Me deixou preocupada - A mãe agia como se ela ainda estivesse na 4º série.
- Só fui... espairecer um pouco.
Fugir de você, Vic pensou em responder.
- Você anda espairecendo demais ultimamente – E deu uma olhada para as outras duas. Com certeza, estavam debatendo a vida dela antes de chegar - Estava aqui conversando com a Célia, e Amanda veio fazer um convite. Quer te convidar para um grupo de estudos bíblicos na igreja. Só para jovens! Uma ideia ótima, veio da própria Amanda – Podia ser birra de Victória, mas tudo o que a mãe dizia sobre Amanda vinha implicitamente com a ideia de que "Você poderia ser como ela".
- Ai, Dona Sônia, a senhora me deixa até com vergonha falando assim – disse Amanda, dando um sorriso iluminador de corações, colocando uma mecha de seu cabelo longo, liso e sedoso atrás da orelha.
- Olha, Amanda, acho que vou recusar o convite porque... – Vic tentou dizer.
- Mas, Victória, ela veio aqui só pra isso! – Sua mãe a cortou e choramingou - Você precisa mesmo fazer umas visitinhas à igreja.
- Mãe...
- Victória, deixa de ser boba - Segurando seu braço, Dona Célia disse - Vai sim. Só tem jovens, você pode até arrumar um namoradinho por lá.
- Não acredito que a senhora está me dizendo isso.
- Ah, por favor, né. Eu vejo você chegando das noitadas! Mas sempre sozinha – A vizinha enfatizou bem a última palavra - No mínimo triste, né, amada?
Vic não se chocou com o memorando não solicitado.
- Eu vivo dizendo para ela se arrumar melhor – A mãe começou a tecer a ladainha de sempre - O que adianta se arrumar para essas festas, mas andar toda mal arrumada no resto do tempo? Olha essa roupa! O rosto sem um pingo de maquiagem. Olha esse cabelo! – Essa era uma sequência comum de alfinetadas da mãe de Victória.
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Não Somos Um
Ficção GeralTéo está em busca da Garota Perfeita, uma garota que ele idealizou e com a qual tem certeza de que será feliz. Após a busca não encontrar resultados e Téo conhecer Victória, uma garota completamente fora dos padrões dele, eles resolvem se ajudar: Vi...