28 - Acabamos?

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"Será que tudo tem que acabar? Sabemos que a resposta é sim"

(A Poesia dos Desafetos, página 105)

O Paraíso estava infernal.

Muito barulho, muita falação, muita gente se esbarrando. As pessoas caminhavam apressadas de um lado para o outro, carregando pastas, móveis, tapumes e pedaços do que parecia ser um cenário, além de gritarem ordens umas às outras.

- Amigo, você pode me dar licença, por favor?

Téo abriu caminho para dois caras que passaram carregando um sofá. Não havia ninguém parado, todos estavam ocupados e concentrados em resolver suas listas de tarefas com duzentos e trinta itens. Procurou Jesus com os olhos, mas não encontrou. Parou uma moça que riscava uma prancheta furiosamente.

- Moça, a senhora viu Jesus por aí?

- No trono - Ela respondeu imediatamente, sem nem tirar os olhos de seja lá o que fosse que merecia ser tão rabiscado.

- Num trono, tipo, literal?

Aquela pergunta a fez olhar para Téo.

- Sim... Um trono. Quer dizer, aquela cadeira que copiamos do The Voice. A que gira e tal. Fica lá nos fundos, cenário 3B - Ela fez um pausa - Você achou que eu tinha dito que Jesus estava cagando?

- Claro que não! - Téo deu uma risada forçada.

- Achou.

- Achei - Admitiu - Eu nunca sei o que esperar dele.

- Ah, meu querido Téo, nem eu. Hoje mesmo ele me pediu um cenário do Beco Diagonal e não sei se vai dar tempo.

- Você sabe meu nome? - Perguntou, surpreso.

- Se eu sei seu nome? - Ela deu uma gargalhada - Téo, eu praticamente não aguento mais você na minha vida. Estou respirando você há quase três meses. Foi um dos meus melhores trabalhos.

Ok, Téo não entendia mais nada, coisa que já era normal nos sonhos com Jesus, logo, não se importou em boiar na maionese.

- 3B - Ela disse e virou-se para um pessoal arrastando nuvens - Ei, não pode arrastar! Vai desfiar! Nuvem não nasce do chão!

Téo desviou de uma dúzia de pessoas movendo coisas de lugar, rabiscando pranchetas e o cumprimentando. Todos eles sabiam seu nome, seu sobrenome, seu CPF, seu tipo sanguíneo e algumas coisas muito íntimas que ele preferia que eles não soubessem. Chegou ao 3B.

Até Jesus estava ocupado desmontando uma nuvem. O 3B era uma coisa surreal. Porque era uma sala quando Téo entrara, visto de fora. Uma porta. Por dentro, era um mundo. O mundo do seu primeiro sonho. Os portões dourados, as nuvens esvoaçantes e meio translúcidas, o trono giratório no centro, o céu com céu... Mas, dessa vez, ele simplesmente acabava num vazio. Acabava para o nada. Para um branco infinito. Jesus estava na ponta desse precipício sobre lugar nenhum puxando com força um pedaço de nuvem do chão. Eram só os dois no 3B.

- Vai desfiar, hein. Não nasce do chão - Téo brincou.

- Se eu quiser, nasce - Ele deu um sorriso - Oi, Téo.

- Eu nem deveria perguntar, mas... O que está acontecendo aqui? Que caos é aquele lá fora?

- Anjos são tão desorganizados, né? Deixaram a mudança para a última hora, até eu estou tendo que ajudar.

- Não sei se escutei bem, mas acho que você acabou de dizer "mudança" - Téo sentiu um aperto - Não me diga que está indo embora.

Jesus parou de remover o carpete de nuvem e ficou de pé. Aquela imagem, Jesus com o rosto sereno com um fundo ofuscantemente branco atrás dele, era o anúncio de uma notícia importante.

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