1 - Querendo companhia?

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"O que você chama de acidente, eu chamo de propósito do acaso" 

(A Poesia dos Desafetos, página 43)


- Deve ser a menina da mesa do canto.

- Como assim deve?

- Ela está sozinha na mesa e vestindo preto, do jeito que combinamos.

- Você não consegue identificá-la por uma coisa mais pessoal, tipo, o rosto dela?

- Não seja ridículo. Eu não sei como é o rosto dela.

- Arthur! Eu não acredito que você me enfiou num encontro às cegas.

- Se eu pedisse uma foto dela, eu teria que enviar uma sua também. Ela não ia topar um encontro se visse sua cara.

- Panaca.

Do lado de fora da lanchonete, os dois garotos fitavam, através da janela ampla, a menina desacompanhada, sentada com as pernas cruzadas. Ela tomava um milkshake enquanto encarava concentrada algo que acontecia em seu celular. Téo havia caído totalmente no erro de confiar em Arthur e agora teria que lidar com o problema. O problema, pelo menos, tinha lindas pernas.

- Cara, veja bem, eu estou dando o meu melhor para te tirar da Situação. Você tem que, pelo menos, seguir meus planos - disse Arthur.

Situação.

Era assim que o amigo se referia ao fato de Téo não ter uma garota para chamar de namorada. Eles podiam conversar sobre livros, músicas, esportes, cinema, enfim, qualquer coisa, mas, de alguma forma, tudo acabava dando na Situação. O aquecimento global era uma grande ameaça, os Illuminati estavam dominando o mundo e Brad e Angelina apagando a fé da humanidade no amor, mas a Situação era sempre o assunto mais importante da pauta. A Situação era a doença particular de Téo. Para Arthur, sua futura causa mortis.

- E a garota é linda. Se alguém aqui está se metendo numa furada, é ela.

- Eu não vou fazer isso - Téo recuou.

- Cara, vocês têm muito em comum. Eu fui muito cuidadoso em verificar todos os detalhes no perfil dela - Arthur começou a contar com os dedos da mão - Ela gosta de comédias românticas e lê quase dez livros por mês. É muito caseira, chata como você, e prefere assistir um bom filme na Netflix ao invés de ter que sair de casa e ir ao cinema. Quer ser pediatra quando se formar e, o ponto principal, é cristã.

- Ela não parece muito cristã daqui.

A roupa mostrava demais. Ao mesmo tempo que isso incomodava Téo, ele não conseguia parar de olhar. Dava para ver o top preto que ela usava por baixa da blusa de tricot também preta, era inevitável enxergar através dos furos da peça. Quando Arthur falou do encontro marcado pela internet, Téo tinha imaginado que ia sentar à mesa com... Bom, alguém como ele. Comum. Ele era branco, tinha olhos castanhos desinteressantes, um cabelo também castanho cortado do jeito mais tanto faz e estava longe de ser esguio ou ter músculos definidos. Ele era desengonçado e com o rosto mal diagramado. O nariz era o fim. Quer dizer, que pessoa bonita de verdade tem dificuldade de sair com alguém sem precisar da internet? Mas a garota era realmente incrível. Devia ter alguma coisa errada com ela.

- Para de dificultar! Você precisa ser menos crítico e aceitar o amor da forma que ele aparece.

- De que livro de autoajuda saiu isso?

- Aquele da Demi Lovato. Você não sabe pelo que aquela menina passou.

Téo fitou os olhos puxados do amigo para ver se ele realmente estava falando sério.

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