Capítulo 3

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O vento me dá calafrios indesejáveis enquanto tento dormir. Frio é bom, mas não tanto. Todos os dias, desde os seis anos, quando me deito, a primeira coisa que faço é me lembrar da sereia.

Minha irmã, na época com oito anos, falou a suass amigas da escola, que compartilharam com toda a escola.

A repercussão na escola foi grande, e as zombarias também. Até hoje me chamam pelos apelidos criados na época... são inúmeros.

Sei que já é de manhã, pois o suor começa a descer pelo meu rosto.

Resolvo envolver meu cabelo em uma trança, ao invés do rotineiro coque. Minha vontade hoje é faltar à escola, mas não vejo a hora de me ver livre dela e poder me dedicar somente e unicamente para minha família e ao mar, sem ninguém para zombar de mim. Porque depois do acontecimento na praia, mesmo após onze anos, eu ainda acredito na existência de sereias. Eu acredito no que vi, e não importa o que digam, eu vou provar que o que vi foi real.

Se tirar os xingamentos, a escola é um ambiente quase agradável aos meus olhos. Seu jardim mal cuidado, suas paredes cinzas e os alunos. Não tenho raiva dos alunos sem motivo. Eles me fazem sofrer.

Assim que atravesso a porta de entrada da escola, começa:

-Então? E sua amiga peixe? Ela morreu? - Uma menina ruiva fala à um canto, com a saia de sua farda cinza arrastando no chão... uma das poucas. Eu, como a grande parte, adotou roupas antigas de irmãs mais velhas. Portanto, o vestido arrastar no chão se tornou um símbolo de riqueza.

- E chegou! - odeio essa menina com toda a minha alma. Ela tenta imitar um interlocutor enquanto aperta a minha mente. - O único ser vivo que consegue ver sereias. Pode descrevê-la para gente?

Ela passa um braço por cima de meu ombro. A empurro para longe de mim e vou direto para minha sala.

As aulas em geral não me despertam curiosidade. Quando o mar é de alguma maneira citado ou um peixe é usado para aulas de culinária, os olhares rapidamente se direcionam a mim. E ignorar os insultos é difícil, ou melhor, fingir que ignoro.

Minha mãe penteia meu cabelo em uma trança mais detalhada. Já consigo dar conta sozinha, mas ela insiste.

- Mãe, a senhora me acha... estranha? - corto o silêncio.

Ela pondera um instante e depois começa a falar:

-Não. Eu aprendi com minha mãe, que às vezes o erro não está em nós. Talvez o erro esteja nas pessoas ao seu redor. Por que?

- Talvez o problema não seja o local em que vivo. E sim em mim. - minha voz saiu quase como um sussurro.

Minha mãe não respondeu, só beijou minha testa. Olho pela janela. O sol de meio dia maltrata o solo sem dó nem piedade.

- Quanto tempo falta para irmos para o trabalho? - perguntei, e minha mãe sorriu levemente.

- Não agora. Você tem tempo de ir ao mar.

- Obrigado, mãe - dou um beijo na bochecha dela e saio da cozinha.

Uma pessoa que não conhece minha mãe, seguramente diria que é uma pessoa fraca e introvertida. Ela parece, mas não é. Minha mãe adquiriu essa aparência frágil quando meu pai morreu. Foi uma falta enorme para nós três. Ele morreu afogado, e eu não pude fazer nada. No tempo eu não sabia nadar, e talvez isso não faria diferença alguma. Minha mãe esperava que eu me apresentasse mais desapegada da minha paixão pelo mar depois do acontecimento. Mas é como se meu sentimento tivesse aumentado mais e mais.
Meu vestido azul claro e todo o resto do meu vestuário reflete minha paixão pela água.

Saio de casa e vejo algumas coisas incomuns ao longo do caminho. O comércio está lotado, mas não pelo comum motivo, pois tem duas fileiras de pessoas, organizadas como uma platéia. O que tinha entre esses dois montes de pessoas eram três pessoas correndo carregando uma maca com um homem ensanguentado. De um lado, diziam que o homem estava assim por ter sofrido um ataque de uma cobra na densa floresta que rodeia minha cidade. "É incrível como ninguém consegue aniquilar esses animais horríveis", disse uma mulher ao meu lado. A hesitação em seguir pela floresta em direção ao mar aparece, mas não consigo deixar de ir. A praia é como uma amiga para mim, que se eu passar um dia sem vê-la, é igual a admitir que dia não valeu à pena.

A floresta também não está normal. Os pássaros sumiram, fazendo com que reinasse um silêncio e me deixando com um sentimento de preocupação.
Cheguei ao mar, que estava inquieto mais do que o normal.

Retiro minhas sandálias e inicio minha caminhada na faixa de areia rente à divisão entre a água e a areia seca. Meus pés molham de vez em quando. A tranquilidade predomina em meu corpo até que escuto meu nome sendo chamado. Comumente a praia fica vazia, com exceção de mim, uns raros turistas e os poucos pescadores corajosos o bastante para adentrar a floresta.

Praticamente ninguém da cidade sabe meu nome. Mas se fosse considerar a quantidade de pessoas da escola, que sabem quem é Elizabeth Roth, o número é grande. Viro-me em todas as direções, procurando o autor da voz. Mas a voz era feminina. Nem mesmo a silhueta da moça é visível? Escuto outra vez:

- Elizabeth!

Vem do mar. Não exatamente do mar. É bastante perceptível o destaque do cabelo vermelho da mulher em meio às águas azuis. Não me recordo de a conhecer. Ela fez sinal de que eu me aproxima-se. Eu nego com a cabeça e começo a me afastar. A água está rasa demais para ela se afogar e precisar de ajuda.

- Por favor. Não posso me aproximar mais. - o tom de súplica em sua voz fez com que eu considerasse a ideia de me aproximar.

Me arrepio quando percebo o motivo de só sua cabeça estar visível na água rasa. Calda ao invés de pernas.

-Eu devo estar ficando louca - comento para mim mesma.

-Não. Não está. Você nunca esteve. Preciso de sua ajuda. Tenho ordens diretas para vir te procurar. - seus pedidos continuam com o tom de súplica e preocupação.

-Me procurar para que? Em que posso te ajudar? - Perguntei da forma mais suave possível, para disfarçar minha irritação. Só pode ser uma brincadeira.

-nSe vier comigo, não vai ajudar só a mim, mas à um reino inteiro.

- Tem muitas Elizabeths aqui na cidade. - Digo, esperando que pessoas saiam de trás das árvores e admitam que é uma brincadeira. Isso não acontece. Viro-me para retornar à minha casa. Mas me detenho ao ouvir algo inesperado:

-O seu pai se chamava Richard, não é?

Olhei para ela e retornei.

-Como sabe?

-Eu avisei a ele que precisaríamos de você um dia. Isso tem alguns anos...

- Diga aos outros para não usar o nome de meu pai durante brincadeiras. - Digo entredentes e saio.

Me determino a ir para casa. Ela me chama inúmeras vezes, mas ignoro. Devem estar brincando comigo. Deve ser aquila riquinha da escola.

Volto para casa, e apesar de não conseguir disfarçar minha inquietude, talvez minha mãe não tenha notado, pois não questiona. Vamos direto para a casa da Sra. Facchin.

Entre Sereias - O Medalhão De Ares  [Livro I]Onde histórias criam vida. Descubra agora