A perspectiva de conversa com uma pessoa idiota, ou que faz-se de idiota, é irritante. Eu quero sair daqui de todas as maneiras. Ou com esse navio, se for inglês, ou ir para o fundo dos oceanos. Mas eu preciso que ele diga um sim ou um não.
- O que você quer? O que quer dizer com normal? - Pergunto, irritada com tanta idiotice.
- Sei lá, que você se vire, se apresente. Suba aqui... qualquer coisa seria mais normal que isso.
Por que a insistência? Bom, se o navio não for inglês, eu posso matá-lo... não é? A questão não é poder, e sim coragem. Mesmo tendo opções vantajosas, tenho medo. Por isso Cristina me chamava tanto de imatura. Eu posso aceitar a proposta, ou sair agora daqui. Se eu aceitar a proposta, eu vou ter a opção de matá-lo ou não. Viro-me, e visualizo o visitante indesejável. Alto, loiro, os olhos são provavelmente castanhos, não consigo enxergar bem por conta da escuridão. Uma de suas sobrancelhas se ergue e arquea-se. Ele faz um sinal com a cabeça para que eu suba. Em hipótese alguma eu subirei. Não posso cogitar ou imaginar sua reação em descobrir que sou sereia. Pelo menos eu já sei que as lendas que meu povo inventa sobre a paixão instantânea de quando se avista uma sereia, é mito. As moças lá em baixo são muito belas, mas não são capazes de causar uma paixão tão horrível - Não que elas queiram, pelo que eu saiba. Nego com a cabeça.
-Tudo bem. - Ele senta em uma rocha, com a água até os joelhos.- Acho que você é a coisa mais normal que eu vi em três semanas.
Garanto que não, penso. Essa é a minha vez de arquear uma das sobrancelhas. Mesmo que não saiba que eu sou de fato uma sereia, o que será que tem presenciado de tão incomum, a ponto de uma mulher de cabelo azul ser comum?
Só então me dou conta da liberdade de sair daqui sem qualquer possibilidade de ser pega. Afundo antes de pensar em mais nada. O que eu estava pensando? E se alguma sereia me visse? Pelo menos pude ver o céu. Mas não sei se estou imune a quaisquer problema relacionados à ele.
Os humanos começaram a jogar lixos no mar, deixando seu aspecto verde. É como se ao invés da névoa natural azul do mar, houvesse verde. E isso não contribui em nada para a nossa respiração.
Noite passada acordei com dores fortíssimas no pescoço. Não uma dor como nos ossos, ou como se tivesse levando um tapa. Uma dor de corte. Foi de repente, e logo passou. Isso me levou à uma insônia terrível. Logo de manhã que eu fui perceber direito o que havia ocorrido. Todos já tinham menos eu. Fendas brânquias. O que será que significa? Que minha transformação foi definitiva? Pergunto para Liliane o motivo do aparecimento delas e ela gaguejou, mas logo após disse que todas temos de passar por isso. Dias e dias passam e a monotonia é grande. Comecei mentalmente a desejar que as sereias consigam matar cada um daqueles homens, mas logo desisti da idéia. Ter um pai próximo é incrível, e sua perda é muito inevitavelmente triste. Não consigo imaginar o que serão dos filhos dos marinheiros se morrerem. Pelo menos a maioria deve ter filhos. O jovem que encontrei há uma semana com certeza não tem filhos. Acho que já morreu, pois no último envio de sereias, morreram mais três, e eu nunca mais o vi desde então. Eu retornei para a superfície com mais cautela nos últimos sete dias e não o vi por lá. Não há como negar que era bonitinho. Mas ser bonitinho não garante nada, nem pena eu consegui sentir dele. Como podia estar tão despreocupado, sozinho, sabendo que vários dos seus haviam morrido? Magda - descobri o nome da sereia que morreu - disse que ainda naquela noite, ninguém havia se dado conta do desaparecimento dos que morreram. Será que Magda havia deixado filhos para trás ou parentes arrasados com sua morte? Ainda não consegui identificar nenhum grau de parentesco entre o povo daqui. Será que realizam reprodução assexuada? Já ouvi falar, mas não sei direito como funciona. O que será que aconteceu com aqueles guardas que me tiraram de casa? As perguntas se formam em minha mente como um raio.
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Entre Sereias - O Medalhão De Ares [Livro I]
Fantasy"É possível lutar mesmo estando jorrando sangue. E acredite: Eu sou o mais adequado para afirmar isso." - Ares, deus da guerra. Elizabeth perdeu o pai quando tinha apenas onze anos, o que fez sua vida mudar, pois toda a paixão pelo mar a ela concedi...