- Então você era a caçula, mas passou dezessete anos proibindo sua irmã de casar? - Carter perguntou mais uma vez sorrindo.
A chuva cessara, mas a noite ainda estava úmida. E fria, segundo Carter. Eu não levei fé na palavra de Liliane, sobre não sofrermos mais influência da temperatura, mas é verdade.
- Se você fala assim, realmente fica parecendo que era ruim.
- Quem dera fosse assim lá em casa. Eu sou o segundo. Meu irmão mais velho quem manda, ou pelo menos mandava... ele se casou há alguns anos e se mudou.
- Não diga "quem dera". Sabe muito bem porque eu era daquela maneira. - Falei.
- Mas isso não era para ser obrigação de sua irmã? - Ele rebateu.
- Eu esperei que ela fizesse alguma coisa, e posso dizer que foi o período em que mais passamos fome. - Eu não queria, mas sorri, e ele acompanhou.
Seu sorriso se desfez repentinamente e ele ficou olhando para as estrelas por um tempo.
- Quando você acha que vão nos matar? - Ele perguntou de repente. Fiquei incrédula. Eu não contei a ele sobre a mais provável decisão de Vitória. - Ah, está na cara, não está?
- Bom. Não tanto. Precisei que me contassem para eu saber que poderia acontecer. E... ninguém sabe quando vai acontecer. Ou se vai.
- A probabilidade de usarem outra idéia é uma em um milhão. - Ele sorriu.
- Você fala como se não houvesse preocupação nisso.
- Não adianta reclamar do que eu não posso evitar que aconteça. Se ela mandar matar todos nós, eu irei junto. Claramente vou tentar evitar, mas não há possibilidade de eu sair vivo... Meia noite. - Ele me avisou. Chegou nosso horário.
- Ah, sim. Tchau. Até daqui a três dias.
Ele acenou e saiu.
...
- Nós não nos transformamos em água doce... - Liliane me explicou.
- Não entendo. Qual é a diferença?
- A diferença é que não somos sereias de água desde que nascemos. - Ela sorriu e balançou os braços como se fosse um fato óbvio.
Em meio aos desastres que vêm acontecendo há duas semanas, as rondas foram suspensas, assim como nossa permissão para sair da caverna. O que significa que não pude ver Carter há duas semanas. Eu o avisei que não iria por tempo indeterminado. As catástrofes que estão ocorrendo se baseiam em tempestades fortíssimas, com trovões de partir os tímpanos e raios que que produzem clarões, deixando todo o fundo do oceano nítido por alguns milionésimos de segundos, antes de tudo voltar à escuridão. Liliane e eu somos o principal exemplo de otimismo, até porque tentamos conversar normalmente em meio aos barulhos e clarões repentinos. Cenas que nunca achei que veria, estão presenciando: algumas sereias se encolhem contra as paredes rochosas ou gritam por conta dos raios e trovões. A guarda da rainha anunciou hoje cedo a presença de tornados nos arredores e maremotos acentuados na superfície.
- Liliane? - Quebro o silêncio após um clarão e baixo a voz. - Por que estão todas assim?
Ela sabe exatamente o que quis dizer. Uma boa parte das mulheres normais sentem medo desse tipo de coisa, mas porque elas sentiriam? Por que isso as traria medo? Elas ficam animadas quando é considerada a possibilidade de confronto, mas assustadas com desastres naturais - e ainda considerando o fato de que elas não podem ser mortas por esse tipo de coisa?
- O que está acontecendo lá em cima é diferente de tudo o que já aconteceu naturalmente. Isso tudo significa que o Templo foi de alguma forma alterado. O mais provável é que tenham descoberto. E a água saiu de sua estabilidade natural. Se o templo for muito danificado, a nossa extinção... - Sua voz falhou. - pode estar muito próxima...
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Entre Sereias - O Medalhão De Ares [Livro I]
Fantasy"É possível lutar mesmo estando jorrando sangue. E acredite: Eu sou o mais adequado para afirmar isso." - Ares, deus da guerra. Elizabeth perdeu o pai quando tinha apenas onze anos, o que fez sua vida mudar, pois toda a paixão pelo mar a ela concedi...