Me virei diversas vezes à noite, mas minha crise de insônia prosseguiu. Os ossos da minha coluna já não doem mais por conta do chão duro. Ninguém reclama... talvez com medo de Vitória. Outro quesito que já me acostumei foram as guelras. Toda vez que expiro, sinto como se houvesse um vazio na lateral do meu pescoço, mas na verdade são as guelras se abrindo. Já sumiram todos os indícios de que meu cabelo um dia foi castanho, agora ele é completamente azul. Um azul cobalto apaixonante. E conviver com o sentimento de que há uma neblina azulada no ambiente já deixou de ser um problema. Voltei da casa dos meus pais há dois dias, e Carter não apareceu. Eu e meu aspecto trouxa... até eu já estou ficando enraivecida com isso. Se ele não for hoje, vou ter que faltar mais três dias. Em nenhum lugar do meu consciente eu achava o desejo de pensar no futuro, quando estava com ele, pois sabia que só um de nós iria sair vivo. Naturalmente, eu estaria me condenando pela ambição, mas eu não teria o conhecido se fosse diferente. Gostaria de ter rido mais, de ter conversado mais, de ter visitado mais. De ter aproveitado mais. Eu não aproveitei os momentos em que ele estava ao meu lado, e chorar em terra seca não adiantará de nada.
As primeiras horas da manhã fazem com que a minha "neblina" fique um pouco esverdeada. A comida começou a ficar escassa, e a rainha começou a selecionar sereias para a busca de comida. Claro que não fui selecionada. Eu sou sempre a última a ser atualizada dos avanços sobre a ilha e a poder realizar alguma tarefa. Hoje foi ordenado que ficássemos na caverna, mesmo quando chegasse nosso horário de levantar. A rainha vai dar um aviso, certamente. Não costumo dizer que sou a primeira a acordar porque não chego a dormir. Eu passo o dia desejando que a noite chegue e eu possa dormir, mas quando chega a noite, a insônia me dá suas crises.
Pesadas batidas contra o chão o fazem tremer. Essa batida de metal contra pedra são os tridente das novas damas de companhia da rainha. Liliane foi substituída porque está em outra função, e as novas andam sempre armadas. As batidas indicam que a rainha chegou e devemos nos levantar e prestar atenção no seu discurso.
- Bom dia a todas. - A rainha deu um sorriso meigo. Eu sei o que tem atrás dessa meiguice, penso. - A expedição humana está explorando o mar, e como sabem, aonde buscamos comida é uma região de fácil acesso do litoral. Gostaria que andassem armadas, para o caso de um imprevisto. - Essa foi a deixa pra que três sereias viessem com um punhado de Lâminas Sereianas em mãos, empilhadas em uma pirâmide, logo acima de um pano. - Todas foram rigorosamente preparadas durante o ritual para a musa Calíope, para que pudessem ser devolvidas com a bênção dos deuses.
As três foram passando entre a multidão, entregando as armas. No cabo de cada uma haviam o desenho de um pergaminho gasto nas bordas, uma harpa e uma tocha mesclados. Os desenhos estavam exalando um brilho roseado. Quando a sereia chegou próxima a mim para que eu pegasse a minha adaga, pude sentir um calor vindo do símbolo enquanto passava os dedos por entre o seu cabo...
- Você não, Elizabeth. - Disse suavemente a rainha, que havia se aproximado de mim sem que eu percebesse, tirando a Lâmina de minhas mãos e colocando de volta na pirâmide.
- Por que não? - Perguntei, curiosa.
Por que sempre eu sou tão excluído dos assuntos das sereias?
- Vou te dar uma diferente. Conversamos mais tarde?
Concordei com a cabeça. Comecei a olhar em volta. As mulheres girando as Lâminas por entre os dedos, entregando de uma mão para outra em movimentos mais do que rápidos...
- São treinadas desde pequenas para batalhas. - Comentou Vitória, ao ver a direção do meu olhar. - Sua nação de admite mulheres no campo de batalha, soube. É um tremendo erro.
Uma sereia com os cabelos extremamente pretos e cacheados arremessou sua lâmina para o alto, que girou diversas vezes no alto, antes de cair certeiramente em sua mão. Isso seria normal se estivéssemos lá em cima, e não rodeadas de água. Eu olho a lâmina, avaliando não ser tão pesada a ponto de cair como se estivesse no ar.
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Entre Sereias - O Medalhão De Ares [Livro I]
Fantasy"É possível lutar mesmo estando jorrando sangue. E acredite: Eu sou o mais adequado para afirmar isso." - Ares, deus da guerra. Elizabeth perdeu o pai quando tinha apenas onze anos, o que fez sua vida mudar, pois toda a paixão pelo mar a ela concedi...