Capítulo 16

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                As ruas de Londres antes me pareciam desagradáveis quando alcançavam o auge da aparência invernal: Os raios e os trovões fortes, a chuva intensa e o frio congelante. Atualmente, essas três coisas assolam as ruas londrinas, mas agora elas me parecem familiares de uma maneira boa. As duas viajantes encapuzadas - Liliane e eu - desconhecidas locomovendo-se à pé nas ruas vazias, congelando até os ossos que pararão "aleatoriamente" na porta da casa dos Roth para pedir água... Essa é a ideia de Liliane. Tirando o fato de que ninguém fica com sede durante um espetáculo do céu desabando...  acho que o plano não tem falha alguma. No começo, fiquei desesperada com ideia: ver minha família após mais de quatro semanas, ver meu pai, que morreu há mais de dez anos por causa de mim, e minha mãe – que agora com certeza anda ereta, e com aspecto sorridente, como quando meu pai estava vivo – e não poder demonstrar afeto algum. Minha mãe costumava atender à viajantes e oferecer uma hospedagem bem humilde, mas parou com esse costume por conta de meus questionamentos e preocupações. Liliane já avisou que certamente ela nos oferecerá hospedagem. E aceitaremos, mas só por uma noite. A desculpa de Liliane para Vitória, foi que ía levar-me para conhecer o oceano.

Finalmente chegamos à rua estreita da minha casa, ou seria correto afirmar que era minha antiga casa. A luz das casas passando pelas janelas, e os moradores confinados em suas casas, em função da tempestade. Em dias como esse, minha família estaria reunida no meu quarto ou no de Cristina, para contar das mais diversas histórias fantasiosas para nós. Mas o hábito deve ter mudado. Sempre acabo ficando para trás, enquanto Liliane permanece à frente, mas não é proposital, pois o vento é forte de mais. Ninguém quer mais esse reencontro do que eu. Mas Liliane parece saber para que casa devemos ir, pois permanece determinada e na direção certa. Ela para na porta da casa e lança-me um último olhar antes bater à porta. Permaneceremos a noite e de amanhã, sairemos daqui, ficando com a mesma roupa, já que cobrem totalmente nossos pescoços e escondem nossas guelras.

Não se passam dez segundos e a porta é finamente aberta, revelando um homem que acabara de chegar do trabalho – sei porque ainda está com seu macacão bege de jardineiro – e de aparência cansada, com ombros largos e bolsas sob olhos, deixando aparente suas noites mal dormidas, as barbas e o cabelo grisalho mal cortado pendendo de sua cabeça. Minha mãe sempre disse que meus olhos acinzentados são iguais aos de meu pai, e só agora vejo a semelhança. Ele não mudou nada desde o dia em que estávamos na praia. Não é como pensei que seria esse reencontro. Pensei que eu não conseguira conter o sorriso, ou que ele reconhecesse a cor de meus olhos, o formato de meu rosto, e associasse diretamente à nossas semelhanças. Apenas o que consigo sentir agora é um nó na garganta e um arrependimento insuportável. E apesar de seu silêncio à porta, ainda ouço os gritos de Cristina e minha mãe ecoando em minha cabeça, assim que viram meu pai cair de cabeça do outro lado do quebra mar e gritar antes de afundar definitivamente. As imagens passam como um raio pela minha cabeça, e só saio de meus rápidos devaneios quando minha mãe também aparece à porta, com os dedos enrugados, esfregando-os contra o vestido e molhando-o superficial. Assim como meu pai, o seu olhar de desconfiança passa por mim e por Liliane. Eles não se detêm em nenhuma característica minha em comum à deles. Minha mãe diz, quebrando o silencio, com sua voz doce e despreocupada:

- Boa noite. O que desejam? – Ela esboçou um sorriso dócil no rosto ao concluir sua frase.

- Boa noite. Pode nos conceder um copo d'agua? – Liliane estendeu a mão tremula, o que fazia parte da atuação.

- Claro. Só um segundo. – Meu pai saiu da porta em direção ao que eu sei que é a cozinha, nos deixando ainda ao pé da porta e minha mãe encostada na porta, o esperando e nos analisando com o olhar. Seu olhar parou em mim.

- Tenho uma vaga sensação de que já a vi antes. – Ela virou levemente a cabeça para a esquerda, o que sempre faz quando está buscando algo em sua infinidade de memórias.

Entre Sereias - O Medalhão De Ares  [Livro I]Onde histórias criam vida. Descubra agora