Capítulo 7

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-Quem nós estamos tentando enganar? Nós não somos assim por dentro. Nós fingimos estar felizes. Conversamos e damos opiniões vagas. Na realidade, não temos opinião própria. Estamos isolados em um iceberg. Sozinhos. Vazios. E cegos. Cegos por uma necessidade estúpida de ter amigos, de ser alguém. De não ficar sozinho.

O clube dos problemáticos observa silenciosamente enquanto Guilherme, pela primeira vez, diz em voz alta o que se passa na sua cabeça. Atônitos, ninguém diz nada, nem mesmo o professor.

O objetivo da atividade era simples. Desenvolver uma situação de diálogo sobre um assunto vago com os outros participantes. Após sete encontros em que o garoto não falou uma palavra, Guilherme disse algo que calou a todos.

Hoje especialmente ele parecia muito mais agitado que o habitual. Sem mais timidez, ele arrasta sua cadeira isolada para o lado das outras pessoas na classe, como se de repente tivesse desenvolvido interesse em estar ali.

-Muito bom, Guilherme. Fico feliz que tenha compartilhado sua opinião conosco- o professor diz.

Um garoto (um dos Normais, como Guilherme os apelidara), o com problemas de ansiedade, se levanta e pergunta:

-Então você basicamente está dizendo que todas as vezes que estamos conversando com alguém, estamos sendo falsos?

-Basicamente. Muito raramente a gente vai confiar em alguém ao ponto de nos abrir e contar o que realmente pensamos. Não é uma regra, mas é o que acho- Guilherme responde.

-Mas a falsidade não é algo ruim?- o garoto rebate.

-Não necessariamente. A falsidade pode ser usada como um mecanismo para viver em sociedade. Ninguém é cem por cento verdadeiro.

-O que você quer dizer?- o Normal parece bem interessado em ouvir Guilherme falar.

-Posso estar usando minha melhor roupa, meu melhor perfume. Posso estar acompanhada de meus melhores amigos. Mas nada disso muda o fato de que me sinto solitário a maior parte do tempo. Mas eu não demonstro isso pras pessoas, ou elas se afastariam de mim. Entende? A gente só permite que os outros nos vejam até certo ponto. Escondemos as coisas dos outros e muitas vezes fingimos ser alguém que não somos só para manter as pessoas por perto.

-Por que você tem tanto medo de ficar sozinho?- dessa vez o professor que faz a pergunta e o Normal observa com curiosidade. Os outros integrantes do grupo parecem prestar bastante atenção. Até mesmo a gótica que parara de cutucar suas unhas e parecia ligeiramente menos entediada.

-Não sou eu que tenho esse medo, professor. São as pessoas em geral. O ser humano foi feito pra viver com outras pessoas ao seu redor, se não o que seria de nós?

O professor engasga, satisfeito com a reposta do garoto e volta a conversar com o grupo. A garota dos pulsos enfaixados que agora está sentada ao lado de Guilherme, o observa com um certo interesse. Ela estende a mão cheia de riscos de caneta e com esmalte vermelho mal pintado nas unhas e diz:

-Prazer, meu nome é Vitória.

O Garoto Ao LadoOnde histórias criam vida. Descubra agora