Capítulo 24

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Guilherme e Vitória estão sentados no terraço do apartamento dela. Gabriel e Júlia estão ali também, conversando entre si um pouco mais afastados. Vitória que sugeriu esse encontro duplo. Depois de assistirem a um filme no cinema, os casais resolveram que era muito cedo para ir para casa e muito tarde para ir a qualquer outro lugar.

Guilherme observa as estrelas sob sua cabeça sentado nas cadeiras de veraneio disponíveis e espalhadas no terraço, Vitória digita freneticamente no celular e eventualmente solta gargalhadas altas. Gabriel e Júlia parecem focados em algo particular sobre o que discutem animadamente enquanto a garota apoio ambos os pés no colo dele.

Quando Júlia resolve ir ao banheiro lá na portaria do prédio, Vitória a acompanha, e assim que ela se levanta, Gabriel assume seu lugar ao lado do distraído garoto.

-No que você está pensando?- ele pergunta.

Uma pausa pensativa enquanto o barulho da brisa do vento preenche o ambiente aberto.

-Em tudo. Na vida, no mundo, não sei- Guilherme responde.

Gabriel olha para cima e começa também a observar o brilho delicado e distante das estrelas reluzindo no céu claro e quente de verão, com uma imensa lua cheia iluminando as ruas pouco movimentadas lá embaixo.

Guilherme olha de relance para o rosto do menino iluminado pelo luar, sorri e diz:

-Ás vezes eu penso que é demais.

-O quê?- Gabriel pergunta sem olhar para ele.

Guilherme sorriu distante.

-Ás vezes penso em toda a beleza existente no mundo, isso me faz sorrir e me sentir de alguma forma infinito, como se eu estivesse completamente imerso nesse universo.

-É um bom jeito de pensar- Gabriel olha para ele, assim que os olhos de Guilherme desviam para o céu, para fugir de encontrar seu olhar.

-Mas aí me lembro de todas as coisas ruins, o aquecimento global, a pobreza e a fome, a corrupção, as guerras, e assim por diante, então o peso do mundo parece me sufocar. Parece ser demais para alguém aguentar sozinho, é esmagador e insuportável e me faz ter pesadelos, me faz sentir inútil diante de tanta desgraça, completamente impotente.

-Agora você está me deprimindo- Gabriel ri.

-Desculpe. Mas é que ás vezes me sinto paranóico, me sinto observado, tenho medo de minha própria sombra, sinto vontade de chorar por pessoas que não conheço.

Gabriel pensa um pouco no assunto e volta a olhar para o céu, quando diz:

-Isso é bem triste, Gui.

-Eu sei. Mas é como me sinto. No entanto não pense que só se passam coisas ruins na minha cabeça. Sempre há algum fiapo de esperança que surge pra mim, como um feixe de luz. Ás vezes eu sinto tanto medo de perdê-lo.

-E o que seria essa luz?- Gabriel pergunta, rindo de leve, mas interessado na resposta.

-As pessoas, eu acho. Bem poucas. Vitória, por exemplo. E também...- olha pela primeira vez dentro dos olhos de Gabriel e com um sorriso triste.

Guilherme se pega lembrando de todas as vezes que observou cada gesto de Gabriel. Sua risada sempre com um pingo de sarcasmo, o brilho animado em seus olhos quando falava sobre filmes antigos, a maneira como era competitivo quando jogavam videogame, até mesmo o modo como ele passava a mão direita por seus cabelos curtos quando estava desconfortável com alguma situação.

Por um pequeno momento ele esqueceu todos os defeitos de Gabriel. Como quando ele se sentia envergonhado de ser amigo de Guilherme, a maneira como as vezes ele só conseguia pensar em si mesmo e até mesmo a superficialidade com a qual ele tratava determinados assuntos mais sérios pra evitar de sentir empatia ou arrependimento ou qualquer sentimento com o qual ele não sabia lidar.

Guilherme focava apenas na parte iluminada de sua personalidade e na maneira hipnótica com a qual Gabriel era capaz de manter Guilherme sempre por perto, independentemente do quanto seu lado racional tentava alertá-lo que ele sairia magoado se continuasse por esse caminho.

Assim, Guilherme completou a frase:

-...você.

E pela segunda vez, Gabriel se aproximou de Guilherme para tocar os lábios dele com os seus. Era o que ele desajava desde aquele primeiro beijo e se recusava a admitir. Mesmo quando ele focava sua atenção em Júlia, secretamente ele pensava nele. Guilherme fechou os olhos, sem saber de nenhuma dessas coisas.

Antes que pudessem de fato se beijar, foram surpreendidos pela risada alta de Vitória que indicava a proximidade dela e de Júlia. Segundos depois elas entraram no terraço pela porta da escada de incêndio.

Sem dizer uma palavra, Gabriel volta para seu lugar inicial e pelo resto da noite não troca uma palavra com Guilherme. Entretanto ele ficou o tempo todo olhando de soslaio na direção dele, fingindo estar interessado no que Júlia falava.

O Garoto Ao LadoOnde histórias criam vida. Descubra agora