Capítulo 16

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-Pai?

A porta se abriu por completo e revelou um homem de meia idade, com uma barba por fazer, sem camisa e com cara de sono. Seu cabelo é grisalho e seus olhos são bem escuros, assim como os de Guilherme. O tempo definitivamente deu um trato em sua aparência.

O reconhecimento demora alguns segundos para lhe preencher a face confusa. Após analisar o rosto do garoto a sua frente e depois de perceber os traços em comum consigo mesmo, o homem solta um suspiro de surpresa.

-Guilherme? O quê? Mas que merda é essa?- diz.

Guilherme ficou magoado.

-Merda? É isso o que eu sou para você agora?

O homem tentou se justificar e gesticulava com as mãos enquanto falava.

-Não! Desculpe. Não quis dizer isso. Mas o que você está fazendo aqui? E que horas são?

-Não sei. Acho que precisava vir te ver pessoalmente. Eu só li sua carta agora.

Guilherme observa o pai com curiosidade e um pouco de arrependimento. Quem é essa pessoa na minha frente?, pensou.

-Ah. Isso. Mas você não poderia ter vindo em outra hora?

Novamente, suas expectativas do reencontro com o pai foram estilhaçadas.

-Suponho que sim... Sinto muito pelo incômodo- o garoto tenta se desculpar, ainda um pouco grogue pela bebida em seu sistema.

Seu pai concordou com a cabeça.

-Volte amanhã de dia- disse friamente.

Guilherme concordou de leve e o homem, aparentemente irritado, fechou a porta do quarto e arrastou seus pés de volta para cama. O garoto continuou ali parado refletindo sobre o ocorrido.

Eu fui realmente tão estúpido ao ponto de vir aqui? O que eu esperava que fosse acontecer?

Se sentindo abandonado novamente e mais sozinho do que antes, Guilherme volta para o térreo, onde encontra um garoto de olhos verdes discutindo com o recepcionista. Aparentemente ele procurava por alguém.

Reconheceu que aquele garoto era Gabriel e ele mesmo era o procurado, uma vez que assim que entrou no campo de visão dele Gabriel dirigiu passadas pesadas até o amigo, parecendo bastante preocupado.

Juntos eles andaram até a porta. Antes se sair, Gabriel mostrou o dedo médio para o recepcionista idoso.

-Ele estava tentando me extorquir em troca de me dizer onde você estava. Escroto!

Guilherme parecia abalado em sua aura silenciosa e para baixo.

-É.

-O que você foi fazer aí?- perguntou Gabriel já do lado de fora.

A resposta foi a mesma:

-É.

-O quê você quer dizer com "é", saco?

-Hã?- Guilherme acordou de seu transe.

-"Hã" digo eu. O que tem de errado com você. Você saiu sorrateiramente da minha casa daquele jeito e aí veio até esse lugar no meio do nada. O que você estava pensando?

O coração de Guilherme acelerou.

-Você me seguiu?

Gabriel não pararia enquanto o amigo não se abrisse com ele.

-Sim, óbvio. Eu acordei quando escutei você abrindo a porta da frente. Me responde!

A chuva parecia diminuir conforme caminhavam até a casa de Guilherme, que era mais perto do hotelzinho de quinta categoria.

-Eu fui ver meu pai. Ele está hospedado aí.

Gabriel apoiou uma mão em seu braço, chamando sua atenção.

-Por que você não me avisou?

Guilherme encarava aquela mão.

-Não sei...

A resposta foi rápida:

-E então como foi?

O garoto finalmente se permitiu erguer o olhar para encarar os olhos verdes hipnotizantes do amigo.

-Ele não se importa comigo. Foi horrível.

Gabriel parecia compreensivo. Sua boca formava uma linha tênue de preocupação.

-Você já sabia disso, Gui.

Guilherme parou de caminhar e passou a encarar os próprios pés. É verdade. Ele já sabia disso.

-Eu sei. Eu... não sei o que esperava que fosse acontecer. Eu sinto muito. Eu encharquei suas roupas e agora você também vai ficar doente. Não sei por que vim até aqui...

Ele parecia à beira de um ataque de pânico.

-Calma! Guilherme, respira.

Apenas uma lágrima escorreu de seu rosto e se juntou a água que caia pacificamente.

-Não consigo... Parece que eu vou explodir.

Guilherme se ajoelhou no meio da rua completamente vazia e cercada de casa sem luz e se janelas fechadas, e assim, repentinamente, começou a se desfazer em soluços e mais lágrimas. Gabriel observou atônito sem saber o que fazer ou dizer.

Depois de um tempo, ele estendeu a mão e levantou o amigo do chão. Gabriel o envolveu em seus braços e deixou que ele chorasse mais um pouco ali em seus ombros.

Quando os soluços foram se acalmando, Gabriel se afastou, olhou Guilherme nos olhos e sussurrou:

-Sinto muito. De verdade.

Guilherme concordou com a cabeça. Alguma coisa nessa vulnerabilidade que ele havia permitido o outro presenciar despertou um sentimentos estranho em Gabriel.

Sem dizer uma palavra e sem nenhum aviso, ele ergueu um braço ao redor de sua nuca e encostou os lábios nos de Guilherme. Com uma ternura impressionante, o beijou demoradamente. Não de uma maneira apaixonada ou feroz. Apenas de um modo sensível e genuíno. De um modo que só faria com ele e ninguém mais. Temerosamente vulnerável e com uma sinceridade emocional até então reprimida. Guilherme correspondeu da mesma forma.

O Garoto Ao LadoOnde histórias criam vida. Descubra agora