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Tyler deu cinco passos adentrando o corredor de paredes brancas. Parou e abaixou a cabeça.

"Ty, continue." A voz calma de Josh ecoou no local. "Eu vou estar esperando por você, prometo."

O garoto esperava o amigo entrar na sala onde a médica esperava-o. Ele sabia como isso era estressante para Tyler.

Tyler virou-se para trás e viu Josh sorrindo para ele. Continuou andando até que em poucos passos chegou ao consultório. Entrou e fechou a porta. Josh deu meia volta e sentou-se em uma poltrona na sala de espera, lendo um de seus livros.

O garoto encostou-se de forma desajeitada na poltrona cinza com seus ombros firmes e coração acelerado. A médica pegou seu bloco de anotações no canto da mesa e abriu-o em uma de suas últimas páginas.

"Boa tarde Tyler." Disse com a voz rouca. "Teve uma boa semana?"

"Você sabe a resposta." Tyler disse irritado. O garoto já não tinha paciência alguma para responder perguntas cujas respostas eram óbvias. "Toda semana é a mesma pergunta desde o primeiro dia que eu vim aqui, e se foram 5 anos desde a primeira vez! Sempre é a mesma resposta, Então qual a maldita dificuldade de parar de perguntar?"

O garoto fechou os olhos e suspirou. Doutora Oakley olhava-o preocupada, o que já não surpreendia Tyler. Aquele era o mesmo olhar que ela lançava à ele desde o primeiro dia que o garoto fora para a consulta.

As coisas ali nunca pareciam mudar. O tempo dentro daquela sala minúscula parecia estar congelado: as mesmas perguntas, mesmas respostas, mesmos olhares, mesmos problemas.

"Tyler, me desculpe." A senhora disse hesitante.

O garoto concordou com a cabeça. Ele não sabia exatamente com o que estava concordando. Um silêncio tomou conta da sala e era justamente o tipo de silêncio que Tyler odiava.

Tyler sentiu uma vontade súbita de levantar-se de onde estava, e assim fez. Ele nunca havia feito isso, durante todos aqueles anos o garoto apenas sentava na poltrona e falava coisas que nem sempre eram verdade e pela primeira vez teve a ousadia de levantar para falá-las em pé.

Olhou pela janela; o sexto andar do prédio proporcionava uma vista privilégiada dos telhados das casas.

A doutora, ainda sentada em sua cadeira, observava o garoto. Um sorriso tímido era esboçado em sua face.

"Meus pais estão querendo que eu volte para a escola." Tyler disse em um tom triste. "Não sei se posso voltar. Não depois do que aconteceu."

A médica ajeitou-se em sua cadeira; o cabelo cacheado, antes preso em um rabo de cavalo bagunçado, agora caía sobre sobre um de seus ombros.

" se passaram três meses desde tudo aquilo. Entendo se você não estiver pronto." A doutora disse ajeitando os óculos.

"Não... você não entende! Ninguém nunca vai entender realmente..." O garoto bateu os pés como quando era criança e logo se acalmou. "Na verdade, acho que nem eu vou entender... eu me lembro do sangue, do chão frio e dos professores desesperados ao meu redor, mas... não me lembro de sentir dor. Foi como um sonho, mas... era real demais pra ser um simples sonho..." Tyler sentiu um arrepio na nuca ao lembrar-se do sonho que teve dias atrás e dos cortes em seu braço.

Olhou discretamente para o pulso, coberto pelo suéter azul; os cortes estavam sarando, mas ao olhar para eles, podia lembrar-se claramente de todos os detalhes: o coelho, o chão úmido, o fogo. O sonho era tão vivo para ele, que quase podia sentir-se sendo sufocado pela "sombra de olhos vermelhos" enquanto ouvia os gritos de Josh.

Tyler tocou a janela; o vidro frio fez os pelos de seu braço se arrepiarem. Ele ficou em silêncio e fingiu não ouvir o som da ponta do lápis que a doutora tinha em mão, encostar de forma brusca no papel.

Ele virou-se, ainda com a mão tocando a janela.

"Doutora Oakley, algum de seus pacientes se matou?"

A pergunta certamente assustou a doutora, que largou seu bloquinho de forma desajeitada na mesa. Ela levantou-se e caminhou lentamente até ficar próxima de Tyler.

"Não, Tyler. Mas com certeza meu mundo cairia se isso acontecesse."

Tyler cruzou os braços, tentando concentrar mais calor do que seu suéter de lã podia oferecer.

O céu estava cinzento. Havia passado-se quase uma semana desde que o céu tivesse ficado livre de nuvens escuras. Tyler mal podia se lembrar do tom de azul que coloria o céu em dias ensolarados.

Os garotos dividiam o fone enquanto andavam pela rua. A música tocada era calma; o som de um piano misturava-se a voz forte do vocalista. Tyler estava concentrado na canção e Josh podia perceber isso.

"Eu nunca escuto essa música... nem me lembro quando a ouvi pela primeira vez, mas está no meu celular muito tempo, disso eu tenho certeza." Josh disse enquanto admirava o piano que era tocado delicadamente. A voz havia cessado, só restava o doce som do instrumento.

Tyler colocou toda sua atenção na música e imaginou-se novamente com sete anos, tocando desajeitadamente o piano que costumava ocupar um espaço considerável na sala de sua casa. Agora, porém, estava no porão coberto por poeira e um pano velho.

Naquela noite, Tyler foi até o porão e tocou o piano pela primeira vez em muitos anos.

toxic; tøpOnde histórias criam vida. Descubra agora