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Era uma manhã de segunda-feira normal para mim. Eu estava perdida em meus pensamentos, comendo o meu sanduíche feito às pressas e olhando o balcão. Soltei um suspiro, me lembrando do final de sábado. O que tinha dado na minha cabeça?

Escrevi uma nota mental de agradecimentos a Allen por não ter me beijado aquele noite. O clima havia mexido comigo, mas tinha sido só isso. Não estava querendo beijar Allen, não mais.

O domingo foi até legal. Yanna bateu na porta do meu dormitório de manhã e começou a me fazer perguntas sem parar, que eu respondia com monossílabas:

– O encontro foi bom?

– Sim.

– Ele te beijou?

Me empertiguei, desconfortável. 

– Não.

– Você está bem?

– Meh.

Não demorou muito para ela perceber que eu não queria falar sobre isso. Depois, lembro de entregar o dinheiro pra ela. Ela contou as notas e me olhou, confusa.

– Você não gastou nada? – Yanna parecia desapontada.

– Não precisei... – Ri baixo, aquilo fez os olhos de Yanna saltarem de curiosidade, mas ela não fez mais perguntas.  

Sorriu e mudou de assunto:

– Quer saber? Vista uma roupa. Vamos sair para beber.

Olhei para ela, assustada.

Yanna pareceu indignada de repente, interpretando meu olhar de uma maneira muito correta.

– Ai, meu Deus, por favor, me diz que você já tomou um porre alguma vez na sua vida.

– Nunca. Nunca encostei meu dedo em uma cerveja – confessei, mordendo os lábios.

Já tomei champanhe e vinho, mas qualquer outra bebida alcoólica nunca tinha passado pela minha boca.

Yanna abriu seus olhos verde acinzentados para mim.

– Não acredito! – Ela parecia... Empolgada. – Precisamos ir no House Bar! Vista-se, vista-se!

Não gostei muito do gosto da cerveja amarelada, mas a tal da cerveja preta até que eu tinha gostado. O resto do domingo passei bebendo e conversando com Yanna. No fim do dia, me abri com ela. Contei tudo sobre o encontro, mas ocultei a parte em que Allen desconfiava do meu nome – não queria que ela, de alguma forma, começasse a pensar seriamente sobre essa parte.

Yanna ficou um pouco bêbada. Ela estava com a cabeça deitada na mesa de bar, parecia sonolenta.

– Melissa, então, a massa não teve culpa. Só que eu me descuidei... – Eu não estava entendendo nada. Ela murmurou umas coisas que eu não compreendi e soluçou. – Ele ouviu e daí deu errado.

– Ele quem?

Como se minha pergunta tivesse acordado ela, Yanna virou a cabeça para o outro lado.

– Quero vomitar – disse minha amiga, por fim.

E foi assim que meu domingo se encerrou: Yanna bêbada, eu chamando um táxi e levando Yanna para a colônia. 

– Lembrando da noite passada, Mel? – Yanna se sentou ao meu lado, me despertando dos pensamentos. Ela estava cansada, dava de perceber. Tentou disfarçar as olheiras com um pouco de maquiagem e até conseguiu, mas nem tanto. Minha amiga sorria, como sempre.

Já tinha terminado o meu sanduíche,  e agora eu brincava com o pino que achara na cozinha poucos dias atrás.

Da onde é você? – perguntei para o pino, mentalmente.

– Estou sim – respondi a Yanna.

Ela tirou o o pino de meus dedos e suspirou:

– Isso não parece nem um pouco familiar. – Yanna disse.

– Talvez tenha vindo de fora – sugeri.

– Talvez. – Ela parecia pensativa. – Alguma sugestão do que seja isso?

– Nenhuma. 

Yanna caiu na cadeia ao meu lado. 

Onda apareceu na cozinha e  veio até nós, parece meio exausta. 

– Nathalie ainda não está melhor? – indaguei. 

– Parece que só piora, pobrezinha. – A criada-chefe se jogou ao meu lado, exausta. – Você vai substituir ela hoje também, Mel?

Fiz que sim. Nathalie parecia ter muitas funções pelo palácio. Qual será que eu deveria substituir hoje?

– Como o Baile da Princesa está chegando... – Que droga! Por que todo mundo só sabe falar do baile? – A rainha está correndo com as organizações e precisamos limpar o salão do primeiro andar.

Senti um aperto no meu peito. Não deveria deixar minha mãe cuidando de tudo sozinha. Falaria com ela hoje à tarde.

Sem perder tempo, saí da cozinha e segui por um dos corredores que levava até o salão.

Normalmente, os corredores sempre tinham muitas fotos da família real penduradas. Algumas eram retratos enormes, outros, pequeninos.

O Corredor Norte era onde tinha duas das minhas fotos preferidas: uma delas, eu estava com minha família, a outra, era um retrato apenas meu, em que eu vestia um vestido rosa claro, com flores em turquesa. Passei pelo corredor mas notei a ausência dessas fotos e de mais algumas. Todas elas, pelo que eu lembrava, tinha uma participação minha.

É claro.

Fazia sentido. Qualquer um poderia passar por esse corredor e reconhecer o rosto da Melissa na foto. Lembro de Acândia vagamente me dizendo algo sobre as pinturas da princesa. Ainda era possível ver a marca quadrada que a foto fizera na parede por ficar tanto tempo pendurada lá.

Talvez alguém poderia suspeitar terem arrancado a minha foto da parede, mas quem questionaria a ordem de um superior?

Passava as mãos pelas linhas que o quadro deixara na parede. Me dei conta que sentia falta de ser princesa. Mesmo com toda a papelada, mesmo com todos os estresses. 

Ouvi o barulho dos sapatos de alguém baterem no tapete do Corredor. Reconheceria o tec-tec dos sapatos de empregada em qualquer lugar.

Olhei para o fundo do corredor, onde vi os cabelos azulados caindo graciosamente sobre os olhos.

Mary Kime veio até mim, sorrindo.

– A foto era muito bonita, né? –  admitiu ela. Concordei com a cabeça e baixei o olhar para os pés. – Eu tive de tirá-la hoje cedo. 

– Ah, sério? – falei, porque precisava dizer alguma coisa.

– Notei algo engraçado nela...

Olhei para ela com um ponto de interrogação no rosto.

Então, as coisas que se seguiram explicaram tudo.

Ela fez uma reverência desajeitada para mim, inclinando a cabeça e estampando um sorrisinho espertinho no rosto. 

Um sorrisinho que dizia "peguei você".

Chocada, observei ela girar sobre os calcanhares e se distanciar dali novamente.

Pisquei, questionando o que acabara de acontecer. Não poderia ter entendido o recado errado, poderia?

Minhas mãos tremeram. 

Mais uma pessoa conhecia meu segredo.

Realeza OcultaOnde histórias criam vida. Descubra agora