Capítulo 15

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— "Emily Dickinson é sinistra."

Ergui os olhos do meu livro de história. Meu pai estava sentado à mesa de piquenique, do outro lado do nosso pequeno jardim, apertando os olhos para enxergar melhor a tela do laptop.

— O que você acha que isso significa? — ele perguntou.

— Essa aluna é das redondezas?

— Eu dou aula na Newton Community College — ele me lembrou.

— Então "sinistra" significa horrível.

Ele quase engasgou.

— Horrível? Como ela pode falar isso de uma das maiores escritoras americanas de todos os tempos?

— Qual é a próxima frase?

Ele voltou os olhos novamente para a tela.

— "As palavras dela fluem como mantega quente." M-a-n-t-e-g-a. Seja lá o que isso signifique.

— Manteiga — expliquei. — Então "sinistra", na primeira frase, significa uma coisa boa. Ela gosta da Emily Dickinson.

Ele se recostou na cadeira, com os olhos arregalados, como se as palavras na tela tivessem formado um pequeno exército e ameaçassem atacar seu vocabulário acadêmico.

— E por que ela simplesmente não disse isso, então?

Escondi um rápido sorriso por atrás do meu livro. Eu viera me juntar ao meu pai do lado de fora porque minha mãe estava assando biscoitos de novo, e o forno aceso deixava a casa quente demais para que eu pudesse fazer meus deveres lá dentro. Isso, entretanto, não nos tomava colegas de estudos.

— Vou pegar uma xícara de chá — ele se levantou e se espreguiçou. — Você quer alguma coisa? Talvez um casaco?

A pergunta fazia sentido. Não estava fazendo mais de dez graus, e, enquanto ele estava agasalhado, com um suéter grosso de lã e calças de veludo, eu usava uma camiseta fina e calça jeans, com as barras dobradas até os joelhos.

Eu ia recusar, mas algo me ocorreu subitamente. O laptop dele. Meu pai ia buscar uma xícara de chá, o que não deveria demorar mais do que cinco minutos, incluindo o tempo de fervura e ele fechara o computador.

— O meu casaco de flanela azul seria ótimo — abaixei o livro e dei um sorriso mais largo. — Deve estar no meu... No armário da Paige.

Ele ficou radiante como se tivesse acabado de conseguir um cargo vitalício em Harvard. O fato de eu ter lhe pedido algo o deixou tão feliz que quase me senti culpada, principalmente porque o meu casaco de flanela azul estava na lavanderia, esperando para ser lavado, e não no armário de Paige e eu sabia que ele não ia querer voltar de mãos vazias.

Mas, àquela altura, o que era mais uma mentira? Eu o observei subir as escadas e abrir a porta. Vários segundos depois, a janela da escadaria dos fundos se iluminou. Fingi que estava lendo enquanto ele passava por ela e esperei mais um minuto para lhe dar tempo de chegar ao segundo andar e atravessar o corredor.

E, então, saltei da rede e corri para a mesa de piquenique. O computador do meu pai era velho, e levou algum tempo para que a área de trabalho aparecesse, sem pedir a senha. Guiei o cursor para a barra de início e olhei por sobre o ombro para me certificar de que minha mãe não estava me observando da cozinha. Ela estava de costas para mim, trabalhando no fogão, e eu me virei para o laptop para acessar os documentos recentes.

Era uma lista curta. Havia apenas um documento, com o nome "W1011".

Cliquei nele, antes que perdesse a coragem. Por causa da tentativa do meu pai de esconder qualquer coisa em que estivesse trabalhando, eu não esperava que "W1011" fosse um trabalho acadêmico sobre Emily Dickinson. Mas nunca teria imaginado o que realmente era. Um diário. Com mais de vinte páginas, com registros datados que começavam várias semanas antes. Algumas seções consistiam de poucas frases, e outras, de vários parágrafos. Todas eram sobre mim.

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