Capítulo 21

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— Você tem alguma habilidade especial?

— Habilidade especial? — repeti.

O homem empunhava uma taça de champanhe cheia de sidra borbulhante.

— Como tocar acordeom, fazer pirofagia ou qualquer outra coisa que não tenha pensado em incluir no seu formulário, mas que poderia destacá-la de milhares de outros candidatos com excelentes notas e atividades extracurriculares comuns?

Consigo respirar debaixo d'água. E atrair a atenção de todos os homens de um recinto com a minha mera presença. E me tornar inimiga de todas as mulheres do mesmo jeito.

— Acho que não — respondi.

— E a sua família? Talvez seu tio seja um ator famoso? Ou seu primo de segundo grau seja um atleta olímpico? Na Colgate, sua família é nossa família, então, se seus parentes estiverem fazendo qualquer coisa de excepcional, você certamente deve nos avisar.

Minhas parentes matam homens por esporte. Será que isso me garantiria uma vaga?

— São todos bem normais — afirmei, erguendo meu copo-d'água vazio. — você poderia...?

Sorrindo com meu pedido, ele pegou o copo e começou a caminhar de costas, em direção à mesa de bebidas.

— Não vá embora! Depois quero lhe contar o que a Colgate pode fazer para tornar a sua vida...

Eu sabia que deveria avisa-lo que ele estava prestes a colidir com um garçom, mas, ao não fazê-lo, ganhei uns vinte segundos enquanto ele tropeçava e limpava o suco da lapela. Usei esse tempo para disparar em direção ao outro lado do ginásio.

— Vanessa! — chamou uma voz feminina às minhas costas.

Olhei por sobre os ombros e vi a Srta. Mulligan correndo atrás de mim, empunhando uma bandeirinha azul de Yale acima da cabeça. Atrás dela, havia outro recrutador de terno risca de giz e gravata vinho. Ele já estava sorrindo, o que me levou a andar mais rápido. Cercada por grupos de estudantes, ziguezagueei pelo ginásio. Quando atingi a seção quase vazia de faculdades estaduais, que a Hawthorne se dignara a incluir para os poucos alunos que tinham bolsa de estudos, a Srta. Mulligan e o sujeito de Yale haviam desistido de mim e se dirigido ao presidente da turma do último ano.

Peguei uma garrafa d'água na mochila e bebi. Não estava me sentindo bem desde a longa conversa com meu pai no dia anterior, quando eu contara tudo que sabia sobre as Marchand e o verão passado e lhe mostrara artigos do Winter Harbor Herald na internet. Também contei que herdara algumas das habilidades de Charlotte, mas deixei de fora detalhes fundamentais, por exemplo: meu envolvimento no congelamento do porto e como minha saúde física estivera imprevisível desde então. Mesmo sem entrar em detalhes, a conversa durou horas. Deixei o escritório dele exausta e com mais sede do que já havia sentido em semanas. Teria faltado ao evento de hoje se a presença não fosse obrigatória para todos os alunos do último ano – eu não precisava atrair ainda mais atenção indesejada quebrando as regras e me metendo em confusão.

Além disso, o evento me dava uma desculpa para ficar fora de casa por algumas horas. Estar ali, na escola, era esquisito e desconfortável, mas, como minha mãe ainda estava entretida com seus filmes caseiros e meu pai havia tirado o dia de folga para se esconder no escritório, também era preferível.

Andei pela área do ginásio tomando cuidado para ficar a uma distância segura das longas mesas cobertas com finas toalhas de linho e buquês de flores.

Nós havíamos sido instruídos a quebrar o estrito código de vestimenta para que o evento parecesse mais a festa descontraída que era para ser, e meus colegas de classe aproveitaram a oportunidade para vestir suas melhores roupas de grife.

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