Capítulo 28

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A universidade do Havaí parece uma ótima ideia agora. Abaixei o jornal que estava lendo e ergui os olhos para Paige sentada na cadeira de jardim ao meu lado. Ela esfregava as mãos, soprando-as em seguida. Em seu colo, havia uma abóbora de plástico laranja, quase vazia.

— O que você acha? — perguntou ela. — Palmeiras? Água azul-turquesa morninha?

— Achei que você queria ficar o mais longe possível da água.

O sorriso dela enfraqueceu. Ela fechou o casaco, cruzou os braços e desviou o olhar para o lago.

— Só temos chiclete sem açúcar agora. Acho que vou até a mercearia comprar mais doces. As crianças comentam, e eu não quero que a sua casa crie uma reputação de casa sem chocolate, na hora das gostosuras ou travessuras.

Em algum lugar atrás de nós, houve um ruído alto, como o som de pratos caindo no chão. Um segundo depois, minha mãe gritou por meu pai.

— Não acho que isso tenha importância — eu disse.

Ela franziu a testa.

— Eles vão mesmo vender a casa?

Olhei para o lago. Sua superfície calma refletia as árvores nuas e o céu cinzento.

— Vão tentar.

— Mas eles não têm essa casa...

— Desde sempre? — completei. — Sim.

Ela se inclinou para mim e baixou a voz, como se não fôssemos as únicas pessoas ali fora, sentadas no frio congelante.

— Mas ela sabe, não é? Sua mãe? Você explicou que elas se foram definitivamente dessa vez, e que o que aconteceu na semana passada nunca mais vai acontecer de novo?

— Expliquei. Mas, depois de ouvir mentiras por vinte anos, não sei se ela sabe no que acreditar agora.

— Mas o seu pai não sabia de tudo, não é? Sobre quem a Charlotte realmente era... Quem ela realmente é?

— Não. Como ela nunca tirou vidas, quando ele a viu outra vez, ela parecia décadas mais velha do que realmente era. E, só para garantir, ela pintou os cabelos e usava lentes de contato coloridas.

Meus olhos se fixaram no jornal. Na primeira página, havia uma foto de um homem de uniforme e boné do Red Sox torcendo nas arquibancadas do estádio Fenway Park. Sob a foto, a manchete que eu lera cem vezes em vinte e quatro horas: "Encontrado no sul de Boston corpo do funcionário da companhia de saneamento Municipal, Gerald O'Malley,43".

Apesar de tê-lo visto apenas uma vez, eu o reconhecera imediatamente.

Gerald o'Malley era um dos trabalhadores da companhia de saneamento que haviam falado comigo do lado de fora da casa de Willa – da casa de Charlotte.

De acordo com ela, depois que eu a deixara naquele dia, eles voltaram para apanhar o lixo do outro lado da rua. Ela os seguira enquanto eles continuavam seu itinerário até a água e então, nas palavras dela, fizera o que precisava ser feito.

Ela afirmara que aquela tinha sido a primeira vez que tirara a vida de um homem. E que o fizera apenas para obter a força necessária para ajudar a me salvar das sereias de Winter Harbor. Ela explicara que havia mudado de nome ao vir para Boston, na esperança de esconder sua verdadeira identidade do meu pai e de todos os outros, e que não ceder às exigências de seu corpo a fizera envelhecer drasticamente. Quando a vida deixara o corpo daqueles homens e entrara no dela, o relógio voltara muitos anos.

Como minha mãe, que se trancara no quarto por dois dias inteiros depois de saber a verdade sobre a minha mãe biológica, e sobre o meu pai, e sobre mim, eu não tinha mais certeza daquilo em que acreditar. E foi por isso que, depois de lhe agradecer por ajudar Paige a resgatar a mim e ao Simon das sereias que nos sufocariam, eu disse a Charlotte que precisava passar algum tempo sem vê-la.

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