Capítulo 24

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De volta a Boston, na segunda-feira seguinte, matei aula pela primeira vez na vida. Acordei cedo, esperei meu pai entrar no banho e arrombei a caixa de madeira trancada em seu escritório. Então, já vestida, disse à minha mãe que tinha um encontro com a Srta. Mulligan bem cedo e saí de casa antes que meu pai saísse do banheiro. Parei na agência do correio, onde sorri e fiz beicinho para um jovem funcionário até ele me dizer o que eu precisava saber então peguei dois ônibus que me levaram para fora do centro da cidade. Depois de pedir informações meia dúzia de vezes e de me perder outras tantas, finalmente parei em frente a um prédio estreito, de tijolos vermelhos, na área mais oriental do sul de Boston.

Chequei o endereço que escrevera na mão, comparando-o com os números enferrujados na porta da frente. O número no verso do velho cartão-postal que mostrava o restaurante de Betty remetia à Rua quatro, 134. A menos que existisse mais de uma rua com esse nome, eu estava no lugar certo.

Comecei a subir os velhos degraus. Ao chegar ao topo, olhei à esquerda e vi trechos de água azul-esverdeada por entre os telhados. Respirei o ar salgado e o segurei nos pulmões antes de expirá-lo lentamente. Ainda nervosa, mas um pouco mais calma que antes, ergui o punho e bati. Alguns segundos mais tarde, a porta se abriu um pouco e então foi novamente fechada com força. Esperei, mas a porta não se abriu. Bati mais uma vez, mais alto.

— Por favor — chamei, pela porta fechada. — Sei que você não quer me ver, mas eu não estaria aqui se não fosse importante — nada. Bati de novo, e então me inclinei sobre o corrimão para espiar pela janela. Através da fina cortina branca, vi uma figura alta de pé numa sala de estar quase vazia. De costas para mim, ela descansava uma das mãos sobre a prateleira sobe a lareira e apertava o peito com a outra. Seus ombros se erguiam e desciam em seguida, como se estivesse tentando recuperar o fôlego. — Por favor — tentei novamente, minha voz falhando enquanto eu batia na janela. — Preciso da sua ajuda.

Ela ergueu a cabeça, mas não fez nenhum movimento na direção da porta. Pensei que fosse continuar daquele jeito, ouvindo, mas me ignorando, e olhei em volta para ver se havia alguém perto para escutar o que eu ia dizer. Ela não tinha de me convidar para entrar, mas eu não iria embora até dizer o que pretendia.

— Oi, Vanessa.

Eu me virei.

— Willa? — perguntei, sem ter certeza se era realmente ela. Eu só a vira uma vez, na cafeteria, e ela vestia calças largas e uma camisa grande demais, com os cabelos presos sob um boné de beisebol e o rosto parcialmente encoberto pela aba. Agora, vestia jeans escuros, uma blusa de seda macia e um casaco fino de cashmere marfim que ia até os joelhos. Seus longos cabelos brancos estavam presos numa trança. Os olhos azuis se destacavam das rugas suaves da pele. — Você é tão bonita — eu disse.

Ela deu um sorriso rápido, hesitante.

— Você gostaria de entrar?

Então, abriu a porta. Enquanto eu passava por ela, pensei que parecia familiar e não só porque já havíamos nos encontrado. Antes que eu pudesse descobrir de onde a conhecia, ela fez um gesto para que eu me sentasse.

— Você está se mudando? — perguntei. Além do sofá macio de chenille onde eu me sentara, os únicos itens na sala eram uma poltrona combinando, uma mesinha de centro e um vaso de lírios brancos. As paredes estavam nuas, e as estantes embutidas, vazias.

— Gosto de manter as coisas simples — disse ela, sentando-se à minha frente.

— É por isso que você nunca quis me ver? — a pergunta me escapou automaticamente. Ela recuou como se eu a tivesse esbofeteado. — Desculpe isso soou mal. Só quis dizer que...

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