Capítulo I - Parte 1

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A PONTE

    Enquanto ando em uma estrada de pedras lisas sem saber ao certo o rumo do meu destino, deparo-me com uma ponte no meio do caminho. É uma ponte estreita, frágil, e extremamente instável, que atravessa um imenso abismo de sofrimento e condenação. Questiono-me o porquê de, em meio a minha jornada rumo ao fim daquela estrada, há de surgir uma ponte que é impossível de se atravessar, já que durante todo meu caminho não deveria haver obstáculo nenhum.

   Meus pés descalços sangram calejados, pois já caminhei uma distância impossível de definir, ansiando poder finalmente chegar ao fim dessa estrada que, para mim, começa a ser meio duvidosa.

   Olho para trás. Recordo-me que uma vez, alguém que não recordo quem fora, me aconselhou seguir meu caminho sem nunca olhar para trás. Eu acreditei em suas palavras e obedeci, até esse momento, em que tenho dúvidas se irei chegar a algum lugar. Em meio às dúvidas, eu olho para trás, e vejo toda a extensão infinita de caminho que já percorri. O caminho de pedras lisas se estende em linha reta, sem uma curva sequer, até mais além, onde meus olhos não podem alcançar. Florestas verdes me acompanham pelos dois lados, mas, à medida que me aproximo da ponte de madeira entre o abismo as verdes matas vão dando lugar a galhos secos e raízes mortas.

   Estou caminhando há quanto tempo? Dias, meses, anos? Já não basta eu ter que seguir às cegas para um lugar que nem sequer sei se existe, agora tenho que enfrentar um obstáculo? Sou obrigado a atravessar uma ponte tão estreita que mal cabe dois pés juntos.

   Questiono-me novamente se existe algo além daquele abismo, se vale a pena me arriscar ou se é melhor retornar meu caminho. O abismo à minha frente é tão largo que, daqui, mal consigo enxergar para onde a estrada continua. Questiono-me o porquê de eu caminhar em uma estrada se não sei nem onde irei chegar. Não sei de onde eu vim. Não sei para onde eu vou.

   Olho novamente para trás, e decido que não irei voltar todo o meu caminho. Tirei sangue dos meus pés para chegar até aqui, não irei embora de mãos vazias. Apoio um de meus pés sobre as primeiras taliscas de madeira. As cordas rangem. A ponte balança. Sinto medo de prosseguir. Mas tenho que prosseguir. Coloco-me por inteiro sobre a ponte que estala a cada passo bambo que dou. Agarro-me às cordas, fecho meus olhos e começo a andar. Sinto como se a qualquer momento eu fosse cair. A ponte se recusa a manter-se quieta, como se fizesse questão de querer me derrubar. Enquanto ando, literalmente às cegas, tento me desligar do que está acontecendo, pois o medo me atrapalha.

   Continuo andando, sem parar. Sinto-me incomodado por não saber quanto falta para chegar ao outro lado. Sinto calafrios a cada ranger de uma corda, a cada estalar de uma madeira, a cada balançar da ponte, pois não sei se estou seguro. Não aguento mais! Não está funcionando, ainda sinto medo! Abro meus olhos. Olho para trás e me desespero ao saber que ainda não andei nem terça metade do caminho. Sinto vertigem ao balançar da ponte que não se aquieta por um segundo sequer. Retomo meus passos, indignado.

   Começo a sentir um forte cheiro de enxofre e carne podre. Recordo-me de uma vez alguém me dizer que, talvez, chegaria o momento em que eu sentiria tal odor e não deveria olhar para baixo em hipótese alguma. Seria esse momento em que tal desconhecido se referia? E como ele sabia, já que me prometeu que no caminho de minha jornada não haveria obstáculos?

   Continuo andando, e o mau cheiro forte queima em minhas narinas. Começo a ouvir sons de gritos e gemidos que parecem vir de todas as partes. Ouço outros barulhos também, grunhidos que não sei explicar sua natureza. Meus nervos se congelam de calafrios a cada grito de agonia que emana sob meus pés. O cheiro é insuportável e os gritos também. Não me contenho de medo por não saber o que são esses gritos, então, atrevo-me a olhar para baixo. E, o que vejo? O que vejo é algo tão aterrador e grotesco que preferia eu nunca ter visto.

   O que há no fundo do abismo? Você realmente quer saber? Pois bem, irei procurar uma maneira menos perversa de lhes contar. 

No Meio do CaminhoOnde histórias criam vida. Descubra agora