Capítulo IV - Parte 2

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   Por baixo de chuva e pisando sobre podridão continuo a andar, dividido entre o medo e a coragem. Tento não pensar que mais uma vez tomara o caminho errado. Estou certo de que este é meu caminho.

   Egoísta!

   Lembro perfeitamente que ele dissera que meu caminho seria três vezes mais curto do que o anterior. Dissera que curaria meus pés, e curou. Prometeu mais, que ainda falta cumprir. Mas não me recordo de, em nenhuma vez, dizer que haveria chuva de sangue e chão de imundícies.

   Mentira para mim?!

   Maldito!

   Dividido entra a certeza e a incerteza, ignoro tudo e sigo meu caminho.

   A lama suga meus pés. Os vermes tentam subir por minhas pernas. A chuva cai sobre mim. O fedor insuportável arde em minhas narinas. Quando de repente, deparo-me com um gigantesco muro em minha frente, que se estende além dos horizontes. No meio do caminho, entre o muro, há dois imensos portões de ouro, agradáveis aos olhos. E, nos portões, há várias ilustrações nada agradáveis aos olhos. Ouço dois estalos seguidos. Um ranger e um ruído alto. E, em seguida, os portões começam a se abrir.

   O caminho segue um pouco mais além dos portões, no entanto, as outras coisas mais que há lá dentro fazem meu estômago embrulhar e minhas pernas tremerem.

   Sinto o mais horripilante dos medos mastigar minhas entranhas, e mesmo sem ter adentrado os portões, sinto na pele o que me aguarda.

   As coisas que residem do outro lado do muro fazem qualquer pessoa que estivesse em meu lugar se arrepender de ter nascido. É o que sinto agora.

   Além dos portões de ouro, no meio do caminho, vejo um homem sobre uma coluna de pedra sendo violentamente açoitado por criaturas demoníacas. Chicotes com lâminas e pregos em suas pontas. Os estalos vibram pelo ar, enquanto cada açoite abre caminhos entre a carne para o sangue fluir. Gotas de sangue voam pelo ar como gotas de orvalho, enquanto o restante desce por suas costas e pernas e encharcam o chão. A chuva que cai sem se importar com a dor dos que estão sobre a terra lava o lombo do homem, que já está pronto para receber outra açoitada.

   Tão alto e apavorante quanto os estalar dos chicotes e as faces prazerosas dos demônios, são os gritos de agonia deste homem. Penso em dar meia-volta e correr o mais rápido que eu puder, pois sei que lugar é este, e, de forma alguma quero fazer parte dele.

   Ao me virar, antes que eu pudesse correr, vejo duas criaturas com asas brotarem da lama podre e me agarrarem e, contra minha própria vontade, me arrastam para dentro dos portões do inferno.

   E eles se fecham.

   E já não há volta.

No Meio do CaminhoOnde histórias criam vida. Descubra agora