Capítulo IV - Parte 1

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O INFERNO

   Olho uma última vez para trás. Olho para a figura do homem à minha direita, que se mantém sutil e paciente em seu lugar. Dou-lhe as costas e coloco meus pés descarnados sobre o chão do novo caminho. É terra macia de cor alaranjada. Inicio meus passos rumo ao fim dessa estrada que, para mim, sem sombras de dúvidas, é a estrada certa. E árvores de cascas de tons amarelados me cercam. E a maciez do chão conforta meus pés, e me proporciona alívios que pensei nunca mais sentir. E continuo a andar.

   Gradualmente, sinto o chão que já não mantém mais sua textura macia, agora está mole, como lama. Lama laranja e imunda que envolve meus pés. Logo, já não sinto mais dor, e vejo que meus pés estão curados e sinto pele e couro envolto deles.

   O homem da esquerda estivera sempre certo quanto a esta estrada.

   Em meio ao lamaçal que tende a exalar um odor a cada passo que dou, eu olho para o céu iluminado por um sol vermelho. Corvos tomam uma direção contrária da minha, ao invés de sobrevoar o céu em círculos, como sempre fazem. Noto a pressa dos animais em chegar a algum lugar, como se fugissem de algo.

   O cheiro repugnante de carne crua desce até minhas narinas.

   Uma massa de nuvens alaranjadas cobre o céu de repente, tampando o sol por inteiro e as tornando nuvens escarlates.

   Um relâmpago amarelado e silencioso corta o horizonte à minha esquerda. Apenas uma luz brilhante que desce do céu até o chão, sem propagar som algum.

   O silêncio da anomalia me incomoda e sinto calafrios repentinos.

   Trovões rugem à minha direita. Diferentemente do relâmpago, este soa tão alto que sinto o tremor em meus pés.

   A massa de nuvens escarlates derrama sobre mim chuva. Chuva! Sim, chuva de cor tão vermelha quanto o próprio sangue, que molham minhas vestes e encharcam o chão.

   Mais raios mudos ao horizonte esquerdo, e trovões à direita. Percebo algo peculiar nesta simples ação da natureza. Há um padrão. A cada dois cair de raios, um trovoar.

   Não consigo entender o que significa tais eventos bizarros. A chuva vermelha continua a cair, incessantemente. O forte fedor de sangue impregna minhas roupas e meu rosto. Vejo sutis partículas voarem pelo ar, como se evaporassem em meio à chuva. Olho para meus pés que se entalam na lama e algo mais entre as águas vermelhas que molham o chão. Vermes!

   Larvas e vermes brotam da lama mal cheirosa que lembra carne humana em decomposição.

   Raios...

   Trovões...

   Chuva vermelha...

   Larvas e vermes...

   Apenas isso? Claramente tais coisas não irão interferir em minha caminhada. 

No Meio do CaminhoOnde histórias criam vida. Descubra agora