Capítulo II - Parte 3

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   Assim que inicio a curva, mesmo sem ainda poder ver o que tem ao fim dela, já consigo imaginar o que seja. Sinto um forte cheiro de madeira queimada, e sons de estalos de brasas ardentes. Aproximo-me mais e mais, e, de longe, vejo um trecho do caminho cintilar em vermelho. Neste breve trecho, no lugar de corpos macios, há brasas flamejantes.

   Agora, me vejo obrigado a atravessar um trecho de fogo. É uma escolha, ou posso desistir?

   Infelizmente, a opção de simplesmente desistir não se encaixa mais à minha condição. Não posso voltar para trás, e sinto medo de prosseguir. Sei que a dor será imensurável.

   Estou a quase três metros de distância da margem do fogo e, mesmo dessa distância, posso sentir o calor ardente em minhas pernas. Vejo um galho seco de uma árvore morta cair sobre as brasas e, logo, a mesma se torna cinzas. Se um galho de madeira não suportou meros segundos, a carne de meus pés suportará, até o fim?

   Sinto falta dos espinhos cravando os meus pés.

   Milhões de difíceis decisões começam a fazer vendavais em minha cabeça. Hesito em tudo que penso. Ouço grunhidos por trás de mim. Não são os corvos, parecem mais rosnados de cães raivosos. Olho para trás, e me vejo obrigado a tomar uma decisão, agora, o mais rápido possível, pois algo pior que brasas e fogo espreitam às minhas costas. No meio do caminho, surgem três lobos de aparências grotescas. As carcaças podres e decompostas que vi na beira da estrada estão agora caminhando em minha direção, e suas bocas exalam fedor e fome por carne fresca, e de seus olhos vermelhos fluem ódio e ira. As bestas vêm em minha direção, me deixando com poucos segundos para decidir se fico ali ou se caminho sobre brasas e fogo.

   O que devo fazer? Se eu ficar com certeza irei morrer, e talvez não tenha outra chance de prosseguir, nunca mais. Se eu optar por andar, terei que aguentar uma das mais terríveis dores do mundo. E se eu não aguentar até chegar do outro lado? Irei sofrer lentamente até que o fogo me consuma por inteiro e, por fim, morrerei. Os dois caminhos podem me levar à morte, no entanto, somente um me dá mais chances de sucesso.

   Rapidamente, sem mais pensar ou hesitar, converto todos os meus medos e dúvidas em força e coragem. Viro-me para as brasas ardentes à minha frente e, sem pensar em dor, corro sobre elas.

   As bestas demoníacas pulam sobre as brasas e me perseguem.

   Os segundos parecem ter se tornado minutos. Minutos de pura agonia e dor.

   Meus pés ardem a cada pisada funda nas brasas, que são arremessadas para trás, e centelhas flutuam pelo ar.

   As feras não desistem, tampouco eu.

   Sinto a pele de meus pés derreterem, seguido da dor mais lacerante do mundo. Sinto as brasas tocarem a carne viva.

   Não desista! Não desista!

   A carne putrificada das bestas parecem não suportar o fogo, e se incendeiam.

   Ouço sons de labaredas seguidos de uivos dederrota. E, por fim, chego ao fim do trecho de brasas ardentes, glorioso.    

No Meio do CaminhoOnde histórias criam vida. Descubra agora