Capítulo VI - Parte 1

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A REDENÇÃO



   Levanto-me da lama, com esforço. Vejo a imensidão que é este vale, cercado por muros tão alto que chegam a tocar as nuvens. Não há saídas. Sinto como se eu estivesse andando por um Jardim do Éden corrompido por pragas. Vejo homens e mulheres extremamente magras arrastarem seus pés sobre a lama, sem ânimos para andar. Faces ósseas perdidas em multidões. Pessoas devoram a si mesmos na esperança de matar a fome.

   Me vejo na mesma posição daqui a algum tempo, e sinto angústia por isto.

   Arrependimentos...

   Vejo ao longe, uma das poucas árvores que existe nesse lugar, no entanto, diferentemente das outras árvores, esta não dá frutos. É apenas uma árvore, aonde os covardes condenados vêm para tentarem abdicar da vida e receber a morte como amiga.

   Caminho em direção da árvore de folhas negras e cromadas, onde corpos descansam dependurados pelo pescoço. Uns ainda se debatem em agonia, parecem resistirem à morte. Diferentemente das outras árvores, esta resguarda cadáveres em seus galhos.

   É realmente possível alcançar a morte neste lugar?

   Passei toda a mina jornada em busca da vida eterna e agora venho buscar a morte. Que ironia tola!

   Em meio a vários corpos enforcados há uma corda sobrando, como se tivesse sido colocada lá especialmente para mim. Sem ter mais pelo que lutar, desisto da minha própria alma e subo os galhos da árvore de madeira cinzenta. Puxo a corda, que pesa em meus braços. Coloco-a envolto de meu pescoço e me jogo lá de cima.

   Penso que ouviria o estalo do pescoço quebrando antes de apagar e morrer. Mas não é assim que acontece.

   Sim, escuto o barulho como se galhos secos estivessem se partindo, e o peso do meu corpo me enforca. Não respiro mais, e nem o sangue circula por minha cabeça, mas não morro. Debato-me dependurado assim como outros pobres enganados fazem, mas não morro. Sinto a dor e a agonia de estar morrendo sufocado, mas não morro, e não consigo me soltar.

   Espero por alguém que possa me tirar dali.

   Surge um ser em minha frente, coberto por trapos negros que parecem flutuar no ar. Em sua mão direita, uma grande lança de prata, que descansa sobre seu ombro. Ele se apresenta a mim como sendo a própria Morte.


   "Sou o pai e a mãe que acolhe nos braços todas as almas existentes, para que elas não se percam no vazio entre os mundos", diz ele, com voz de mil homens falando ao mesmo tempo. Diz também que, mesmo que eu clamasse a ele pela morte eu não poderia morrer, pois já passei por este estágio, e isto só é possível uma vez.

No Meio do CaminhoOnde histórias criam vida. Descubra agora