Léo #18
Eu não queria narrar isso, não sei se tenho forças. Mas eu entenderei como um favor a Abim, ele não seria capaz na sua condição.
Enquanto a mãe de Abim caía de joelhos no chão, o terciário baixou a sua guarda. Armina e Donar haviam aproveitado a distração do monstro e combinado os seus poderes para domá-lo. Donar afundou as pernas da criatura no solo enquanto Armina, rapidamente, inseriu a mão no buraco do peito da armadura e congelou o terciário por dentro. Queiquei havia se recuperado e se transformado em uma cobra extensa, que imobilizou o terciário por completo.
— Irmão, peça para o capitão nos tirar daqui. Diga que o experimento falhou e já foi neutralizado. Está pronto para extração.
Donar seguiu a ordem de Armina e pressionou o seu ratador. No instante seguinte, a fenda roxa surgiu atrás do terciário. Queiquei arrastou consigo o monstro assassino para dentro do buraco. Em seguida, entraram Lik-Zum e Beiluce, ambos ainda feridos. Donar e Armina nos olharam uma última vez e adentraram a fenda. Não se importaram com a mãe de Abim sangrando nos braços do filho.
Eu ajudei Connor e Eloise a levantarem-se. Connor havia batido a cabeça e o punho de Eloise estava torto. Eu também não estava nada bem, a pancada que levei do terciário deve ter rasgado alguma coisa por dentro, mas deixamos as nossas dores de lado para dividir a que o nosso amigo segurava sozinho.
Abim chorava como uma criança. A mãe dele lhe disse alguma coisa antes de parar de respirar de vez, mas não conseguimos ouvir.
Ela morreu com os olhos abertos, olhando para o filho.
Eu acho que foi a primeira vez de todos em presenciar a morte de alguém. E de todas as pessoas do mundo, a última que Abim queria ver morrer era a sua mãe. As suas lágrimas escorriam e pingavam no rosto da mãe, de lá, continuavam escorrendo para a ferida causada pelo terciário em seu coração.
Abim gritava. Esperneava. Balançava a mãe violentamente com esperanças que ela se mexesse.
Yasuko teve que pisar no sangue para oferecer o ombro ao amigo. Todos nos agachamos para envolvê-lo.
A mãe de Abim era tudo para ele. Eu não me imagino perdendo a minha, e ainda dessa forma, mas sei que a dor seria imensa. Sei porque posso vê-la em minha frente. Dentro do peito do meu amigo.
Abim chorou pela sua mãe e eu chorei por ele.
Lentamente, depois de bastante tempo agarrado ao corpo da mãe, Abim foi deitando-a pelo chão.
— Chegou a sua hora de voltar a Terra, mama — as lágrimas desviaram do sorriso de Abim.
Yasuko chutou um monte de areia. — Filhos da puta!
— Calma — disse Connor.
— Não me peça por calma... Por causa de Raium, e daqueles traidores, a mãe de Abim está... — Yasuko engoliu o restante.
— Mas nós fizemos tudo que poderíamos fazer — Connor continuou tentando acalmá-la.
— Não foi suficiente! — Yasuko gritou.
— Sabemos disso, Yasuko. Mas... — também tentei apaziguar o clima.
— Mas o quê? — Eloise me interrompeu. — Yasuko está certa. Agora quem em Halcandor vai trazer a mãe de Abim de volta? Se a missão maior deles é proteger os primários, lamento, mas não estão fazendo corretamente.
— Nós fomos traídos, Eloise, assim como o capitão. Quem saberia das verdadeiras intenções de Raium? — eu nem imaginava.
— Vocês acham que não queremos justiça também? — Connor aumentou o tom de voz.
Em meio a discussão, Abim esfregou o punho nos olhos e levantou-se de vez.
— Pessoal! — Abim gritou. — Por favor, parem de discutir. Ignorem eles... Agora, eu só quero que minha mãe tenha um enterro digno.
Todos abaixaram a cabeça. Faltava coragem para olhar nos olhos inundados de Abim.
— Yasuko, por favor, fique aqui com Abim. Eu, Connor e Eloise iremos atrás de ajuda.
Nós três seguimos pela vizinhança de Abim, passamos pela caixa d'água e, por indicação de Connor, seguimos de volta até o posto de gasolina.
Eloise entrou em negação no meio do caminho. — Como ninguém saiu a rua para nos ajudar? Ou ao menos para ver o que estava acontecendo?
— Porque não havia ninguém, Eloise — Connor disse o que eu temia — contam-se nos dedos de apenas uma mão as pessoas que restaram.
— Como você sabe?
— Quando passamos pelo posto na primeira vez, os números dos registradores estavam altos. Mediam o suficiente para encher os tanques dos veículos que passaram por ali, quer dizer que pessoas saíram para longos destinos. Depois, quando chegamos na rua de Abim, a casa dele era a única com luzes de vela escapando pela brecha da janela, todas as outras estavam completamente escuras. E agora, quando passamos pela caixa d'água, estava esborrando, provavelmente com o seu volume sendo ultrapassado, quer dizer que poucas pessoas estão fazendo uso. Tudo implica em dizer que os residentes dali foram embora.
— Mas havia gente, vimos uma moradora nos olhando pela janela antes de chegar na rua da casa dele.
— Sim. Enquanto ela nos via, eu percebi que não havia móvel algum montado por trás dela. Provavelmente já estava preparando a mudança.
— Você quer dizer que todos foram embora menos a mãe de Abim? Por que ela faria isso?
— Provavelmente, esperava pelo filho.
Não foram as habilidades de Sherlock Holmes presentes em Connor que convenceram Eloise, e sim o possível motivo para a mãe de Abim ter ficado.
— Faz quanto tempo desde a festa? — perguntou Eloise.
— Foi no segundo mês, do nômade, agora já estamos no último, do sacerdote. A criatura teve aproximadamente dez meses para se desenvolver e assombrar a vizinhança de Abim — Connor explicou.
— Droga. O que iremos fazer? O Abim está destruído. Eu não quero voltar lá e ver o corpo da mãe dele no chão...
— Sinceramente, Eloise, eu não sei. Mas eu acho que a nossa aventura de outro mundo acabou. E de uma forma trágica.
Se nem Connor sabia o que fazer, você pode ter noção de quanto estávamos perdidos e desolados.
Caminhamos até encontrarmos o posto de gasolina de novo. O frentista já estava fechando tudo. Connor apressou o passo e pediu por um celular com bateria. Eu vi o frentista sinalizando o número dois com os dedos, talvez o tempo máximo que Connor poderia falar.
Eu aproveitei enquanto Connor buscava pelos números de emergência para falar com Eloise.
— Pode parecer rude da minha parte, Eloise, mas eu ainda não consigo aceitar que há um cadáver lá. E que o corpo é da mãe de Abim.
— É normal, a ficha não cai na mesma hora para todos. Não quero assustá-lo, mas talvez amanhã você se sinta pior.
— Não pior do que o Abim...
— Não, é uma dor que só quem já sentiu entende... A mãe de Abim morreu o defendendo. Isso a torna uma heroína para nós agora, mas para Abim, ela sempre foi.
Connor voltava da ligação. — Eu consegui socorro. Mas a ambulância só chega com o nascer do sol na rua da caixa d'água. Eles cuidarão do corpo do mãe de Abim e dos nossos ferimentos.
Quando finalmente retornamos a rua da tragédia. Yasuko havia coberto o sangue da mãe de Abim com areia e também havia reunido as velas que restaram da casa com o teto e paredes destruídas.
Ela conseguiu quatro velas. Segurou uma, entregou uma para mim, uma para Connor e uma para Eloise. Fizemos um círculo em volta de Abim, que segurou a mão da sua mãe pelo resto da noite e madrugada.
Não houve conversa nessa noite.
***
VOCÊ ESTÁ LENDO
Os Outros Terráqueos
Fantasy[ Eleita destaque em fantasia pela equipe do Wattpad ] E se, depois de 17 anos, você descobrisse que nasceu na Terra errada? [Os Outros Terráqueos foi concluído em março de 2017 e ganhou uma versão final, melhorada e revisada disponível para downloa...