Yasuko #19

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Yasuko #19

Algo estava acontecendo na saída do aeroporto. Eu conseguia ouvir um alvoroço, e os flashes das câmeras clareavam a portaria. Os seguranças que o meu pai enviou fizeram um corredor humano para que eu pudesse atravessar até o blindado.

Sem saber o que estava acontecendo, comecei a caminhar por entre os seguranças. Ao passar pela portaria, me deparei com uma enxurrada de celulares que passavam pelos buracos dos braços dos seguranças e tentavam acertar a minha boca.

Dezenas de jornalistas lutavam por algum espaço mínimo na tentativa de arrancar algo de mim. Um deles usou a panturrilha de um segurança como degrau e tentou furar o corredor. O segurança, irritado com a ousadia do repórter, tomou o seu celular e atirou ao longe. A atitude não serviu de exemplo para os outros. Eles continuaram atirando perguntas.

— Como você conseguiu fugir?

— Quanto exigiram em dinheiro?

— Você conseguiu imobilizá-los?

— É verdade que você foi sequestrada por acionistas rivais do seu pai? — o quê? De onde saiu essa?

A pressão que os jornalistas faziam nas costas dos seguranças tornava o corredor mais estreito em cada passo apressado que eu dava. Do meio do caminho até o carro, os jornalistas perdiam espaço para homens e mulheres as quais eu nunca tinha visto na vida. Emitiam uma agressividade sem igual. Eram como cães raivosos.

— Ele não pode fazer isso conosco!

— Agora que voltou, pergunte a ele como sustentarei os meus filhos.

— Por que voltou? Seu pai derrubou a minha casa. Era para você ter morrido!

Quando um dos seguranças abriu e protegeu a porta do sedan, um protestante furou o bloqueio e tentou me acertar na cabeça, mas eu me inclinei para trás e mergulhei no banco traseiro do carro. O homem teria me machucado pra valer, se aquele golpe tivesse me atingido. Aqueles homens estavam tomados pelo ódio, e para variar, foram alimentados por atitudes do meu pai.

Os seguranças me levaram até a minha casa do campo. As empregadas fizeram uma fila para me recepcionar. Eu saudei a cada uma delas. Os seguranças só pararam de me acompanhar quando eu cheguei no quarto.

Um homem com jaleco e uma maleta esperava por mim, de imediato, imaginei que fosse algum médico enviado para me averiguar. O meu palpite estava certo.

— Você está bem?

— Estou.

— Bem, você sabe que eu precisarei checar de toda forma — o médico retirou o estetoscópio da mala.

— Cadê o meu pai?

— Ele não pôde vir.

Era de se esperar. Eu passo um ano fora e, mesmo assim, ele envia outro em seu lugar. — Só irei permitir que me examine na presença do meu pai.

— Não, por favor. Ele foi imponente quando me alertou para retornar com o seu diagnóstico. Você passará pela psicóloga depois daqui, então você poderá exigir isso para ela.

Pobre homem. O desespero originado da minha fala enfraqueceu a sua voz. Caso eu me negasse, provavelmente, ele perderia o seu emprego. O meu pai não tem escrúpulos, e tendo a certeza disso, eu permiti que o médico me examinasse.

— Aparentemente está tudo bem com você — o médico guardou o jaleco — não cabe a mim saber os motivos do seu desaparecimento, mas o seu pai pediu que eu lhe entregasse isto.

O homem me entregou uma carta, fez umas últimas anotações e deixou o meu quarto. O meu pai foi esperto, ele sabia que eu o ignoraria se tentasse me contatar por internet

De dentro do envelope vermelho, eu retirei a folha de ofício com escritos impressos.

"Espero que tenha deixado o médico lhe examinar.

Lhe escrevo da Rússia. Eu estava em uma reunião de extrema importância quando você me ligou. Precisei me desdobrar para conseguir tirar você da Nigéria. O que maldição você estava fazendo naquele lugar? Conversaremos sobre isso depois, não tenho previsão de quando, mas iremos.

Você causou um rombo imenso no faturamento da empreiteira. O dinheiro que você precisou para limpar a merda dos seus amigos, ou seja, lá o que aqueles estrangeiros são seus, não vai voltar facilmente.

Você não sabe o tanto de esforço que eu fiz para saber do seu paradeiro, assim que soube que você tinha fugido. Contratei equipe de buscas, mandei detetives para averiguar os contatos do seu celular, mas nunca encontrava nada.

E eu sei que não foi nenhum sequestro, você foi embora por vontade própria!

Se você fez isso para me tirar do sério, bem, saiba que conseguiu... Contudo, você terá que me explicar o porquê disso. Eu nunca lhe deixei faltar nada! Por outro lado, eu acredito que você enlouqueceu e quer nos tirar o que conquistamos.

Eu perdi ainda mais dinheiro quando a notícia do seu desaparecimento veio à tona. A imprensa me perseguiu como um assassino foragido. E todas aquelas especulações que levantaram... Tudo fez a minha credibilidade despencar em queda livre.

Devido ao prejuízo, impulsionado com o seu sumiço, precisei mudar minhas estratégias para reaver espaço no mercado. Cortei gastos. Realizei aquisições agressivas em áreas emergentes (pobres), e como consequência disso, agora há um bando de protestantes querendo nos prejudicar.

Usarão da violência se for preciso.

O médico ira retornar se você estiver com a saúde debilitada, até lá, você não vai poder deixar essa casa. Não é seguro, mesmo com a vigilância dobrada por ordem minha.

Você receberá acesso de ida e vinda quando os negócios melhorarem.

E outra coisa, sua conta foi confiscada. Jamais gaste o nosso dinheiro com estrangeiros.

Atenciosamente, seu pai".

Assim que eu terminei de ler, pude ouvir a porta sendo trancada pelo lado de fora. Corri até a janela, e por trás das cortinas, uma grade de aço impedia qualquer travessia.

Maldito.

Quando você aí estiver com dúvidas se o seu pai é um cara legal ou não, lembre-se do meu. Lembre-se do conteúdo dessa carta. Em nenhum momento ele procurou saber como eu estava. Os negócios são prioridades.

Eu me vi na necessidade de saber como Abim estava. Peguei o celular para mandar uma mensagem, mas antes que eu começasse a digitar, uma chamada surgiu na tela.

***

Os Outros TerráqueosOnde histórias criam vida. Descubra agora