A manhã surgiu fria e cinza. Jogamos fora a lenha molhada pela neve, acendemos o fogo com madeira nova, e preparamos e tomamos o desjejum.
Os homens de Tarl Resk eram silenciosos, guerreiros amargurados pela guerra, que nunca expressavam emoção alguma. As únicas palavras trocadas tinham haver com planos, ordens e, algumas vezes, perguntas. Eu procurava fazer o mesmo. Tinha tantas sensações naquele momento, que no fim das contas nenhuma se manifestava. Raiva e tristeza vinham ao lembrar do meu pai e de Fark, ambos me olhando partir dos muros da Fortaleza de Kirt; medo e ansiedade surgiam por conta de estarmos próximos de Swiftangale; e o desejo de vingança tinha haver com o futuro, para quando eu retornasse.
Porque era isso que eu faria. Um dia minha punição acabaria e quando isso acontecesse, mataria Hirja e Hagar, e meu pai teria que brandir seu machado contra o meu pescoço; a morte seria minha, mas a dor estaria com ele por toda a sua vida.
E enquanto eu descansava, imaginava a floresta que gostava de visitar, e a vida que ali pulsava; quando eu recolhia lenha, recordava a Fortaleza de Kirt com suas duas torres separadas pelo grande salão, e rodeadas por cinco torreões de pedra cinza; e nas vezes que eu amolava minha Hassak, eram os rostos dos meus inimigos que eu não queria esquecer.
Eu viveria. Sobreviveria e viveria para retornar ao meu lar.
O início da viagem havia sido melhor. Tarl Resk não era falante, mas ainda conversava comigo. Sua tropa doméstica era amigável, e de vez em quando eu treinava com um deles, vencendo três em cada cinco batalhas. Eu era bom; eu era muito bom. Mesmo contra homens formados, minha agilidade supria minha força, fazendo o meu machado devorar tudo ao redor.
Contudo, chegamos a Iggdril, e a diversão acabou. A vila e o castelo do Tarl tinham o mesmo nome devido a Igdar, filho mais novo de Garr, nosso ancestral fundador, que se estabeleceu naquela colina com os seus servos. A vila era menor que Storri, porém, cercava todo o lado norte da colina onde se encontravam os muros que defendiam o castelo.
Passamos pelo lugar seguindo uma trilha de carroça aberta no meio da neve da noite anterior, e subimos a colina até estarmos dentro de uma torre que servia de abrigo para os homens do Tarl. Os três níveis de madeira forrados por juncos do lugar estavam lotados de homens que partiriam para o sul, para se juntar as tropas de Swiftangale. Descansamos, comemos em um salão ao lado da torre e dormimos em colchões de palha, cheios de pulgas.
No dia seguinte, parti com um bando mal encarado que iria se juntar as tropas de Skald nas Terras de Sangue. Não eram homens de Tarl Resk, pois ele, assim como outros dois Tarls, não estava envolvido naquela guerra: Os três haviam optado por não participar das disputas por aquela terra, mesmo sabendo que não poderiam exigir quaisquer recompensas que os outros Tarls, ou o Jarl, viessem a conquistar.
Aqueles homens eram uma remessa do meu avô para dar suporte em algum lugar das Terras de Sangue que era desconhecido por mim. Sabendo disso, eu me senti pouco confortável em estar no meio deles, recordando as palavras de Fark sobre o desejo de Hirja em me matar. Por isso, me isolei nas fileiras externas da tropa, evitando qualquer contato: Sem conversas, sem histórias, sem lutas... apenas andar, andar, comer e dormir. Apenas o silêncio e frio do mundo, contra o barulho e o calor dos meus pensamentos.
Cada vez que meus pés doíam, um nó atava minha garganta e um aperto atingia o meu peito ao lembrar de Ashpo. Eu não tive tempo de me despedir dele, apenas o vi relinchar e socar a terra do outro lado da baia, enquanto eu saía de Kirt. Na primeira noite na estrada, derramei algumas lágrimas em sua homenagem, e desejei que ele ficasse bem até a minha volta.
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Confissões de um Rei - Exílio
Fantasia"Confesso. Sim, confesso que sou culpado por todos os crimes a mim atribuídos, mas que meu espírito orgulhoso se nega a arrepender-se. Matei, traí, corrompi, torturei e pratiquei todos os atos de tirania. Dos pecados capitais? Só não cometi a pregui...