Quando o meu pai me enviou para Swiftangale para morrer, eu não sabia que era de tédio. Três invernos. Três malditos invernos eu passei escovando cavalos, limpando a merda que eles e os guerreiros faziam, polindo armaduras e ajudando Begun nas refeições. Como se isso não bastasse, descobri que aqueles que dividiam os afazeres comigo eram escravos. Escravos! Escravos escrotos que foram capturados em batalhas anteriores.
Meus serviços estavam à altura de escravos...
Durante um ano, desde a primavera até o outro inverno, eu praguejava todos os dias, pedindo aos deuses sem nome que acabassem com aquele lugar de merda, ou me matasse; não fazia diferença. No segundo ano, eu só odiava. Odiava o Husk Derok, odiava o cozinheiro Begun, os cavalos, eu mesmo e, principalmente, Fenruth. Se aquele desgraçado não tivesse... trecho do manuscrito danificado, impossibilitando a leitura e sua tradução... eu não estaria preso naquele fim de mundo.
Entretanto, tudo é uma questão de adaptação. Na primavera do terceiro ano, resignado, eu passei a me concentrar mais no lado bom de estar ali. Minha perícia com o machado estava inigualável. Com meus catorze anos, corpo formado, força medonha e agilidade notável, ninguém me abatia. Dê-me uma lança, e nenhum cavaleiro passaria por minha defesa.
Eu lutava, todos os dias, desafiando qualquer um que surgisse na minha frente. Haviam sido três anos de afazeres medíocres e treinos intensos. Vi as flores nascerem, os pássaros migrarem, o sol aquecer, os ventos aumentarem, as folhas secarem e o frio chegar. Tudo isso passava, em cada estação do ano, enquanto eu empunhava um machado, um escudo, uma lança ou alguma ferramenta dos serviços.
E com isso veio o respeito dos homens, assim como fora em Kirt: Todos temiam o Meio-aço, mas ninguém dava importância a Ivarr.
Osdrid era minha única companhia real. Mesmo assim, eu raramente o via em Swiftangale. Sempre que ele voltava, deixava-me atento do que acontecia nas Terras de Sangue: Forte Garand fora conquistado; perdemos a ponte do rio Baldur; capturamos um pelotão que trazia provisões de Falkirk; e massacramos os imprestáveis de Helnir nas planícies de Aftmantir, além de outros ataques menores.
Eu gostava de Osdrid. Ele podia ser retraído e pouco sociável, porém, eu também era e acabávamos nos entendo. Nunca o vira lutar, mas aqueles olhos rápidos num rosto fino e comprido me diziam que ele tinha seus truques, apesar daquela mania terrível de afastar a franja dos olhos. O único mistério era que sempre que estávamos juntos, o careca de olhar fantasmagórico nos rondava. Ele nunca tentara nada, mas sua presença constante era incômoda.
"Achei que ele fosse me matar nas planícies," disse-me Osdrid, um dia.
"O que aconteceu?" Perguntei.
"Eu estava de guarda no acampamento quando ele se aproximou. Estava com aquelas facas de arremesso e me encarou por vários segundos. Se Marko não tivesse aparecido e me dispensado da patrulha, talvez eu não estivesse aqui."
"O que será que ele quer de você?"
"Não faço a mínima ideia."
"Enfrente-o. Tente descobrir," instiguei. "Não confia nas suas habilidades?"
Ele me olhou como se contasse uma história de terror.
"Eu vi ele em campo. Imagine o próprio senhor demônio lutando, e terá um noção do que ele é capaz."
Desde esse dia eu passei a evitar estar sozinho quando ele voltava para Swiftangale. Osdrid fazia o mesmo, e acabávamos protegendo um ao outro.
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Confissões de um Rei - Exílio
Fantasía"Confesso. Sim, confesso que sou culpado por todos os crimes a mim atribuídos, mas que meu espírito orgulhoso se nega a arrepender-se. Matei, traí, corrompi, torturei e pratiquei todos os atos de tirania. Dos pecados capitais? Só não cometi a pregui...