Amigos e Inimigos

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Continuamos acampados nas planícies de Aftmantir, agora, aos pés do Baldur. Um mensageiro fora enviado para levar as novas sobre a nossa vitória, e nós ficamos responsáveis por guardar a ponte até as tropas de Skald chegarem de navio, pelas águas que passaram novamente a ser nossas.

Nesse meio tempo, não tivemos descanso: Iniciamos um longo trabalho para a construção de duas torres, uma para cada margem. No futuro, as defesas seriam aumentadas com um grande forte substituindo a floresta ao oeste, consolidando assim, nosso controle sobre o norte das Terras de Sangue; Forte Garand a leste e Forte Whelm ao oeste.

Enquanto isso não acontecia, lá estávamos nós: cavando, cortando e construindo. O tamanho de um fosso começava a ser demarcado para ser preenchido por água que viria de um desvio feito no rio; madeiras para lenha, paliçadas e tábuas eram retiradas das árvores ao oeste; batedores cobriam a área em busca de pedras para minério; e um seleto grupo guardava o lugar para evitar surpresas.

Eu estava no meio deles. Como me recusara a usar meu machado, que recebera dos homens o nome de Devorador de Almas, para abrir madeira, eu permanecia a maior parte do tempo vigiando. Quando estava livre, ajudava no transporte dos troncos puxando-os por uma corda sobre outros troncos menores e roliços, enquanto outro retirava um desses troncos da parte trás e o colocava na frente para continuar deslizando: Um recurso primitivo, porém, eficaz.

Não demorou muito para o tédio bater. Sentia estar fazendo o trabalho de um comum outra vez, e minhas mãos se coçavam para empunhar o Devorador e combater os inimigos novamente. De vez em quando até desejava que os homens de Helnir viessem contra-atacar, só para ter o prazer se mata-los.

Contudo, eles não vieram, e aparentemente eu estava olhando para o inimigo errado.


Depois do quarto dia após a batalha, eu fiquei encarregado de patrulhar a noite. Permaneci na entrada oeste da ponte, sentado e virado para onde o sol se pôs, com o machado descansando ao meu lado. Apesar do habitual frio noturno, optei por não usar fogueira, pois as chamas ofuscam nossa visão e sombras acabam passando despercebidas. Não havia Pequeno Hork no céu, e o Grande jogava sua luz cintilante, porém, fraca.

Atento ao cantarolar de uma cigarra que se sobressaía ao ruidoso fluir do rio, ouvi um raspar de botas vindo das pedras da ponte e virei-me; reconheci a silhueta de Osdrid.

"Não consegue dormir?" Perguntei, voltando a encarar as árvores que ainda estavam em pé.

"Já tentou dormir com Trapovelho roncando como uma porca no cio?" Ele jogou de volta, permanecendo de pé.

Eu ri.

"Se quiser, podemos sair procurando um acampamento inimigo por aí," brinquei.

"Você não pode estar falando sério. Chega de ataques surpresas por enquanto," ele deu a volta e se posicionou na minha frente, de pé, afastando o cabelo do rosto; sua face não passava de um vulto negro para mim.

"Como está o ombro?" Me interessei.

"Já esteve pior. Você agiu como um belo idiota naquele dia, sabia? Não espere que eu o agradeça por ter me ajudado: Você me devia uma."

"Qual é a minha dívida? Se minha memória estiver boa, você me deixou para morrer na boca daquele lobo, e se não tivesse me carregado quando desmaiei, estaria em apuros com o meu peso lhe puxando," sorri, e agarrei o cantil ao lado, virando um gole de vinho. Estendi o braço oferecendo para ele, que rejeitou com a cabeça; estava curiosamente quieto naquela noite.

Deitei-me na grama para relaxar as costas e fechei os olhos.

"Mas não espero que agradeça," expliquei. "Um dia me disseram que amigos não precisam se sentir gratos uns com os outros, pois do contrário, não são amigos."

Confissões de um Rei - ExílioOnde histórias criam vida. Descubra agora