Resultados Pós-guerra

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Um grito; um choro; e um sentimento de fúria crescente. Enya chorava com saudades de algo que eu não sabia o que era, enquanto eu estava no chão olhando para Bahamut e para um homem bem vestido ao lado. Minha ira não era para com o grandalhão, mas, sim, para com esse homem; sentia-me traído e imensamente amargurado com o que acontecera.

Não estávamos na Prancha. O lugar era como um salão escuro, com um simples trono de mogno colocado no mesmo nível do chão, e um pequeno rubi incrustrado na cabeceira.

Gritei, mas minha voz não saiu, e depois ouvi a voz de Enya entoar um canto numa língua estranha e reconfortante. Baixei os olhos e notei que ela não estava mais chorando. Olhava-me com olhos gentis, repetindo as palavras da canção constantemente, principalmente uma: Celor! Fechei os olhos, abri, e reconheci Cenwulf e Haesten me encarando, sérios, com a ladainha da mulher por quem me apaixonara soando no fundo.

Nada daquilo fazia sentido, porém, tinha certeza de que eram sonhos e realidades misturados.

Eu só não conseguia discernir entre os dois.


Acordei com o braço esquerdo preso e a cabeça latejando, tentando recordar tudo o que ocorreu. Aos poucos, as imagens da batalha na Prancha e do meu confronto com um gigante começaram a se manifestar. Lembrando que eu havia perdido, abri os olhos e me sentei bruscamente, imaginando que havia sido capturado.

Vi que meu braço estava enfaixado e não acorrentado; o ambiente ao redor eram meus aposentos; e do outro lado do quarto, sentada perto da mesa, estava Enya com sua beleza encantadora marcada por uma mancha amarelada na bochecha.

"Você despertou rápido. Achei que dormiria por uns três dias," disse-me ela. Usava um vestido azul de cetim, tecido estrangeiro, e uma capa feita com pele de raposa. Ela estava com o cotovelo em cima da mesa e com o queixo apoiado no punho.

"O que aconteceu? Quanto tempo eu dormi?" Perguntei, fazendo careta ao mexer o ombro machucado. Virei as pernas para fora e olhei-a espantado: "A batalha!"

"Aconteceu muita coisa, e você dormiu por um dia e uma noite; a guerra começou e acabou ontem mesmo," explicou ela, rindo ao ver que tateei o ouro na face. "Não se preocupe, nem eu mesma o vi sem máscara. Aquele careca miserável tratou os ferimentos do seu rosto sozinho."

Em silêncio, olhei para os lados sem saber o que procurava. Ergui-me, dei alguns passos e perdi o equilíbrio. Enya rapidamente se ergueu, me sustentou e me pôs de volta na cama.

"Você não está recuperado, é melhor descansar," advertiu, mostrando esforço para me segurar.

"Preciso saber o que aconteceu na Prancha. Estávamos perdendo terreno e Cenwulf ainda não havia conseguido se juntar a nós," respondi, cerrando os dentes com a dor no braço.

"Acalme-se. Ganhamos, não ganhamos? Ele pediu que eu o procurasse assim que você estivesse desperto, mas antes vou providenciar algo para você comer."

Assenti com a cabeça e me deitei, fechando os olhos para cochilar e para segurar a dor.


Acordei novamente com Enya me chamando. Uma bandeja de prata com feijões, pão, cebolas caramelizadas, carne de javali e um odre de vinho estava sobre a cabeceira. Sentei devagar e olhei para Enya. Pensei no quanto poderia confiar nela, no quanto eu a conhecia e percebi que estava pronto para arriscar a minha verdade. Não sabia se eu continuaria com ela, mas a sinceridade talvez pudesse trazer a resposta. Retirei a máscara de ouro, a deixei ver minha face e comecei a devorar tudo na bandeja como um porco.

Confissões de um Rei - ExílioOnde histórias criam vida. Descubra agora