Verme do Mar

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Primeiro fomos espancados. Estávamos no oceano à meia hora de distância do Celten, acorrentados no convés. Todos os Submissos pararam seus afazeres, nos cercaram, e com socos e chutes nos bateram até o cansaço chegar. Lothrum, com poucas palavras, nos alertou que se revidássemos seríamos mortos. De fato, dez homens tiveram suas cabeças cortadas por tentarem se defender.

Eu sofri com dois dentes quebrados, uma costela partida e inúmeros hematomas por todo o corpo. Meu olho esquerdo ficara tão inchado que bloqueara minha visão por dias. Com uma faca eles arrancaram pedaços do meu cabelo comprido, chegando ao ponto de ferir partes da minha cabeça.

Eles me chutavam e me socavam, e a dor ofuscava qualquer outra sensação. Não senti meu orgulho ferido, não senti meu ego machucado, não senti minha honra sumir; apenas me concentrei na dor para sobreviver.

Depois daqueles minutos de tortura, o Wltrar ordenou outros escravos, que já estavam no navio, a cuidarem somente dos ferimentos que poderiam causar a nossa morte.

Fui forçado a engolir um líquido viscoso e amargo de um frasco esquisito, e tive as costelas enfaixadas com um tecido imundo, coberto por uma espécie de bálsamo com ervas exóticas. Minha camisa fora rasgada em pedaços para servir de torniquete para as feridas dos outros homens.

Estirado no chão do convés e ofegante, olhei para além do mastro e das velas negras, encontrando um sol ofuscante que assistia a tudo num céu de nuvens esparsas. Ouvi suspiros frequentes e me virei, enxergando uma imagem turva de Lothrum.

"Serão poucas as vezes que terei oportunidade de falar," me disse ele, cansado. "O que você precisa entender primeiro é simples: Nós não significamos nada para eles. Não posso dizer que somos menos que vermes, pois isso afirmaria que ainda somos alguma coisa." Ele calou-se quando um tripulante passou por nós, propositalmente pisando em nossas pernas. "Passaremos fome e sede; receberemos chicotadas cada vez que um dever nos seja incumbido; e morreremos de forma hedionda se o Wltrar estiver entediado. Esteja pronto para o que vier."

E sob uma manhã quente de primavera, ouvindo o ranger do casco contra as ondas, os risos dos Submissos e o gemido dos escravos, eu perdi meus olhos no tempo, com uma única palavra na minha mente: Sobreviva.


Continuamos o resto do dia no convés negro, deitados e imóveis. Uma pequena parte da tripulação continuou com o seu trabalho de rotina, nos serviços que não podiam ser confiados a escravos. O restante, e maior, se concentrava no treinamento de guerra orientado pelo Wltrar, seguido de rituais para o oferecimento do próprio sangue, provavelmente aos demônios.

De vez em quando, alguns dos meus homens eram chutados pelos Submissos, por terem apenas olhado para o rosto de algum deles. Lothrum, sempre que podia, cochichava algum conhecimento que ele tinha sobre aqueles traidores da humanidade. Eu, sabendo que precisaria de toda a informação para sobreviver, ouvia com atenção cada palavra que o Tarl emitia.

Aprendi que o capitão liderava seus tripulantes, mas não tinha nenhum poder sobre as decisões importantes do navio. Além do Wltrar e do Capitão, a pessoa mais importante era o Timoneiro, sendo seguido logo depois pelo Guia; os dois eram responsáveis pela escolha das ondas que navegávamos.

Entendi que aquela embarcação, Verme do Mar, segundo Lothrum, fazia jus ao seu nome: Tinha o dever de reconhecer as melhores rotas marítimas para os outros navios de saque e devorar embarcações menores desavisadas.

E o Verme do Mar continuou rastejando para o sul durante todo o dia. Nós permanecemos acorrentados e deitados no convés, sem receber alimento ou água durante todo aquele tempo. Pela noite, a movimentação diminuiu e eu achei que atracaríamos na penumbra de um oceano plácido, longe de qualquer sinal de terra.

Confissões de um Rei - ExílioOnde histórias criam vida. Descubra agora