Prólogo

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As garras afiadas rasgaram a pele de Ayel e ela arfou, com um recuo desesperado tentou proteger a envergadura de sua asa, mas era tarde. Dedos fortes se fecharam na haste direita e ela sentiu o osso se partir.

A dor quase a cegou, ainda assim forçou uma rasante para se soltar, mas foi arrastada para longe das hostes. Não obteria ajuda, os anjos de sua legião estavam ocupados em suas próprias lutas.

Estava tão exaurida que não teve mais forças para lutar, fechou os olhos e fez uma prece, mas sabia que não tinha mais volta, seu corpo estava sendo maculado, sua pureza sendo perdida.

Ao ouvir a prece de Ayel e sentir seu sofrimento, o príncipe das potências, o arcanjo Camael voou em seu auxílio, mas ao perceber que não conseguiria chegar a ela a tempo, lhe emprestou sua própria aura como era sua função.

Munida dessa renovada força celestial Ayel finalmente conseguiu se livrar do demônio deixando para Camael a incumbência de bani-lo para o abismo. Ela não tinha forças para tanto.

Exausta, ferida e humilhada ela voltou para a formação, mas já sabia que seria a última vez que lutaria ao lado deles, pois sentia que toda a linha dedicada a ela no livro da vida tinha sido concluída. O ponto final tinha sido acrescentado e quando a batalha findasse ela saberia quantas páginas faltaria para fechá-lo.

A batalha continuou nos céus e mesmo ferida Ayel lutou bravamente ao lado dos irmãos celestes, porém seu coração estava cheio de angústia.

Quando todos os demônios fossem banidos, os anjos retornariam para o lado do criador, pois o tempo de viver na terra e cuidar dos homens havia findado, mas Ayel não poderia entrar nos céus. Perderia suas asas.

Quando nenhum demônio mais restava para banir Ayel soltou suas armas e fechou os olhos para orar um pedido de clemência, no entanto antes mesmo de começar se calou, era tarde demais. Seu poder de anjo a fazia sentir, mesmo tão cedo, a vida se formando em seu útero.

E entendendo que não era ao acaso, que havia uma linha escrita somente para ela, se concentrou na alma nova que seguia pelo seu corpo, procurando a outra parte, a sua essência angelical em forma de óvulo para se fazer carne.

Esse acontecimento não poderia ser em vão, e sendo o anjo da filosofia, compreendeu o que era esperado dela, que havia um meio de usar essa sina para algo maior. Sabia como o Pai trabalhava, nada era por acaso, ela tinha sido escolhida por Ele, essa era sua última missão celestial.

E para que tudo tomasse o caminho esperado, ela pediu ao anjo Azrael, o anjo da morte encarregado diretamente pelo Criador para separar as almas, que assim fizesse em seu rebento.

Azrael conjurou a força de sua aura na palma da mão, mas ao tocar o útero de Ayel ele sentiu que algo estava errado, a força daquela vida era imensa e possuía duas essências distintas fazendo a dança da vida em torno de um único óvulo.

Se ele não tomasse providências a tempo a criança possuiria poderes próximo ao divino, então nem anjos e nem demônios poderiam vencê-lo, e assim antevendo o perigo dessa simbiose, ele fez diferente do que Ayel pediu.

Não permitiu que as essências se unissem, então elas formaram duas almas e duas vidas, porém a separação não fora perfeita.

A herança materna e paterna já existia e não podia ser manipulada, então uma alma demoníaca e uma alma angelical passaram a coabitar no mesmo útero.

Ayel havia entendido apenas parte do que estava em seu destino, mas foi o anjo Azrael que compreendeu que algo mais profundo e mais significativo estava para acontecer, todavia se calou, não podia induzir ou se intrometer nas decisões dela, pois do torto se faz certo e ele sabia.

Como regiam as leis celestes, Ayel teria direito a uma escolha. Perder sua graça e se tornar humana, ou entregá-la em prol a uma vida.

Para que seu sacrifício valesse a pena, ela decidiu entregar sua graça a seus filhos e novamente Azrael teve certeza que Ayel filosofou já com o sentimento materno influenciando seus atos, mas ele nada podia fazer em relação a isso.

Ao canalizar sua energia para o útero, Ayel refletiu sobre o que fazer. Sendo fruto também do demônio ela não tinha como saber o caráter que as duas almas teriam no futuro, então dividiu sua graça em duas partes e as transformou em duas bênçãos.

Um dos seus filhos teria a beleza angelical, outro a força celestial. Isso era o máximo que Ayel podia fazer já que sua essência, apesar de divina, tinha uma composição simples, beleza e força, e assim ela presentou seus filhos.

Azrael então orou aos céus, pedindo que tivesse entendido corretamente, pois esse nascimento era uma linha escrita para enredos futuros, e ele sabia que não podia interferir. Não como o separador de almas.

Todavia tomou uma decisão, como guardião ele podia voltar para observar o progresso dos homens e seria então que ele agiria. Faria de uma forma que não afetasse diretamente as decisões de Ayel, mas que garantisse que o propósito não fosse alterado.

Era hora dos celestiais retornarem, mas não conseguiram deixar Ayel no abandono, e sem poder fazer mais nada por ela, eles decidiram que ela merecia uma bênção especial, guardar a mão da pesagem.

E assim, como uma humana comum, ela viveu entre os homens. Desde então Ayel ficou conhecida como a guardiã do lado dos justos nomeada pelos próprios anjos e foi somente nessa época que a terra teve um período verdadeiramente justo.

Os ímpios continuaram separados dos justos como aconteceu durante os cem anos em que os anjos puderam interferir livremente. Desde que começou seu governo Ayel não mudou nada do que foi determinado e a pesagem seguiu rigorosa, pois eram os desígnios de Deus para o novo mundo.

Durante os nove meses normais que gestou Ayel sentiu esperança de que tudo continuaria bem, contudo, quando os gêmeos nasceram, ela viu que não eram parecidos.

Um bebê de cabelos louros, bochechas rosadas e olhos azuis foi o primeiro a vir ao mundo, pequenas pontas douradas se projetavam de suas escápulas, eram os primeiros ossos que formariam a estrutura de suas asas. A essa criança ela deu o nome Adreel.

O segundo bebê tinha nos olhos um anel vermelho em volta da íris, entretanto todo o resto da pequenina bola era dourado. Os cabelos negros faziam contraste com a pele branca. De suas escápulas também despontavam os primeiros ossos que fariam a estrutura de suas asas, entretanto, não eram dourados como ouro e sim negros como azeviche.

Azrael havia separado as almas em seu ventre deixando gêmeos segregados em sua essência abençoada e amaldiçoada. Distintamente um anjo e um demônio.

Ayel sabia que não haveria lugar para seu filho demônio, ele não pertencia ao lado dos justos, e com sua aparência incomum ele não sobreviveria no lado dos ímpios.

Temendo por sua vida ela cometeu sua única transgressão. O escondeu no mais puro breu onde ele nunca seria descoberto.

Ela sentia que era isso que devia fazer, não via, apesar da aparência demoníaca, maldade em sua alma, era apenas um bebê, tudo o que ela sentia vindo dele era o calor de seu corpinho pequeno.

E assim, ninguém, além daqueles escolhidos por Ayel, soube que no abismo mais escuro, uma casinha foi esculpida dentro de uma rocha e que uma família de criados de confiança enfrentou a escuridão para cuidar do filho de Ayel.

A essa criança exilada foidado o nome Angelus e ele viraria uma lenda.

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A Era dos Anjos- Os filhos de Ayel- DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora