Escolhas

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A fila era tão grande que Ainne não conseguia ver o fim. Meninas, moças e mulheres maduras, todas estavam ali. Todas aguardando ansiosas que um anjo a escolhesse e a levasse ao paraíso. Havia também uma grande fila de homens e rapazes do outro lado, esses seriam escolhidos pelas anjas do séquito.

Dentre as candidatas estava Eloá, filha de Gamula, líder de sua tribo. Seu cabelo crespo estava preso em um coque todo ornado com fitas de couro colorido que Ainne ajudou a fazer. Seu vestido, apesar de simples lhe desenhava todo o corpo bem feito e seu rosto harmonioso entre lábios grossos e nariz bem feito e alargado levemente, lhe dava o toque final para combinar com os olhos amarelados. Ela estava linda era verdade, mas Ainne não entendia a alegria que via em seu rosto. Ela parecia verdadeiramente contente por estar exposta naquela fila. Sorriu lindamente e acenou quando a viu, séria ela respondeu com aceno, estava contrariada por vê-la ali.

Pelas leis da cisão, a escolhida teria seu decreto de ímpia revogada pela mão que não pesava mais fazia algum tempo, ainda assim esse símbolo do perdão era usado para se adentrar o lado dos justos, ou seja, agora segundo o imperador, era ele que decidia quem tinha seus pecados perdoados.

Nem sempre essas moças tinham feito algum mal para se tornarem ímpias, algumas apenas tiveram o azar de nascer de um pecador que tinha os pecados pesados demais para serem expiados em uma única vida, consequência disso, os filhos carregavam o fardo dos pais.

Ainne também era uma ímpia, uma menina que tinha os pais no paraíso e acabou sendo mandada ao lado ímpio. Obviamente que foi adotada pela mãe desse lado que também havia perdido seu filho para o outro lado. Era basicamente uma troca, os filhos recém-nascidos só mudavam de rosto e de sangue, mas ainda eram recém-nascidos, ainda precisavam de leite materno e ainda preencheriam o coração desesperado da perda materna. Ainne nunca vira nada do lado dos justos, somente o que sua mãe lhe contou durante o tempo em que viveram juntas.

Agora já na idade mínima exigida pelos anjos para fazer parte do seleto grupo de candidatas à consorte, ela olhava para a fila sem fazer parte desse grupo. De jeito nenhum ia ficar ali aguardando alguém vir avaliá-la para ver se ela servia para ser consorte de um deles.

De braços cruzados e o olhar carregado de deboche e curiosidade ela esperava como expectadora a chegada dos tais anjos. Estava curiosa para saber como eram, queria saber se os boatos sobre eles serem lindos de morrer era verdadeiro.

Ainne achava aquilo meio injusto na verdade, ganhar o direito a adentrar o paraíso dos justos somente se aceitasse se deitar com um anjo?

Se essa era a justiça divina, então esse tal Deus não sabia de nada. Afinal era uma prostituição, entregar o corpo em troca de uma passagem para o paraíso. De pecados os ímpios entendiam mais que bem, nenhum deles se esquecia de como seus ancestrais haviam sido julgados, dos pecados enumerados, tanto deles quanto dos outros, por isso promiscuidade era um pecado passivo de julgamento pela mão divina. Pelo menos era assim antes do novo imperador, filho de Ayel herdar o trono. Depois dele a mão não mais pesou os pecados, e os ímpios não mais tiveram a chance anual de entrar no paraíso.

Ainne ainda se alegrava de sua sorte, pois já fazia vinte anos que a mão tinha parado definitivamente de pesar os pecados. Antes disso, pelo que se era sabido, Adreel já tentava parar com a pesagem, mas sua mãe, mesmo enfraquecida pela idade, quando ganhava forças para sair da cama, mandava voltarem a usar a mão de bronze e foi em uma dessas vezes que Ainne foi pesada e mandada para esse lado. No dia seguinte a última pesagem conhecida a guardiã dos justos deu seu último suspiro e seu filho assumiu o trono definitivamente.

A Era dos Anjos- Os filhos de Ayel- DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora