Ainne corria pela floresta, seus cabelos escuros e compridos enroscavam nos galhos e ela nem se importava, continuava correndo e rindo divertida enquanto tentava pegar o coelho que corria como louco para escapar de suas pequenas mãos.
Desde que saíra naquele dia e voltou com as mãos cheias de frutas, castanhas e cogumelos, sua mãe viu que não poderia mais segurar seu lado aventureiro. Os seis anos talvez fosse o limite para escondê-la e então ela decidiu que permitiria que sua pequena anjinha começasse a fazer a cata.
Ela se lembrava do conselho que recebeu, de não ir contra os instintos da pequena Nefilin, pois esse era seu dom mais forte e precisava ser livremente trabalhado. Ajudou a descarregar sua carga e Ainne ouviu seu resmungo sobre ela ser muito pequena para tal tarefa, ainda assim ela ajudou a colocar todo aquele alimento em uma tábua.
Desde então, essa foi a única vez que Ainne a ouviu reclamar sobre isso. Na maioria do tempo ela lhe lançava um olhar preocupado quando via que ela ia sair para a colheita, lhe dava um beijo e pedia com os olhos tensos de aflição que ela tivesse cuidado e fugisse ao primeiro sinal de perigo.
Desde então Ainne pôde sair diariamente, contanto que fosse cedinho para voltar logo e ainda fosse distante somente o suficiente para que o que trouxesse não afetasse sua mãe. Pois ela não podia estar perto quando Ainne colhesse ou caçasse, era a lei do mestiço e só não seria cobrado com a vida se a mãe não presenciasse ou a ajudasse com isso.
Mas ainda assim, mesmo com medo a mãe sabia que Ainne não mais ficaria dentro da caverna. Agora a fartura finalmente chegou para as duas e sua mãe parou de ir todos os dias na cidadela para pedir e se humilhar.
Porém, mesmo não precisando mais disso, ainda assim, pelo menos duas vezes na semana ela ia a Cidadela, e diferente de antes que ela ficava o dia todo, agora só demorava uma ou duas horas no máximo e voltava sempre com os olhos tristes.
Ainne nunca perguntou o que ela ia fazer lá, pois não tinha o hábito de ficar perguntando, ela foi ensinada a confiar nas decisões dela.
Sua mãe era uma mulher nova ainda, sua aparência acabada se devia ao sofrimento durante os seis anos que passou se nutrindo pouco. Sua saúde era frágil, ela cansava fácil e dormia muito. Ainne tinha medo de perdê-la e por isso sempre reservava um espacinho em sua sacola para levar algumas raízes e folhas que sem ter como explicar o porquê, ela sabia que eram remédios.
E agora com o sol dominando e os animais em fartura, Ainne passou boa parte de seu tempo correndo atrás do coelho. Achava divertida essa caça, essa disputa de quem era mais ágil e claro, ela sempre ganhava.
Quando ele chegou perto da toca, Ainne parou de persegui-lo e se escondeu para observá-lo até encontrar o momento certo para capturar sua presa. Abriu a boca maravilhada quando viu os filhotes pequeninos.
Por um bom tempo ficou ali, apenas olhando a pequena família e imaginou como seria correr por aí com irmãos, tendo companhia para brincar. Acabou desistindo da caça e antes de ir embora, ela deixou algumas frutas frescas.
— Como você em outra hora, dona coelhinha.
Partiu para casa com a sacola cheia de coisas. Não tinha pressa, gostava de andar devagar apreciando cada árvore carregada, cada castanheira que a ajudou no inverno. Mas algo hoje, uma sensação ruim de que devia se apressar a fez acelerar o passo. O instinto pedia para que ficasse alerta e ela passou a olhar atenta para o vão das árvores. Quanto mais se aproximava mais ansiosa ficava e sentiu as costas coçarem e dessa vez era uma coceira exagerada.
Sentindo um medo repentino Ainne largou a sacola já quase perto da caverna e correu. Entrou chamando aflita pela mãe. O medo não lhe deixou raciocinar direito e chamou muitas vezes. Não conseguia entender de onde vinha esse pavor que sentia, mas a caverna parecia calma. Ela chamou novamente procurando por todo lado. Quando se virou para o canto escuro ela paralisou, ficou sem fala e forçou as pernas naquela direção.
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A Era dos Anjos- Os filhos de Ayel- Degustação
FantasyQuando matar um semelhante era a única maneira para se viver mais um dia, eles vieram e ditaram a sentença. Então ímpios e Justos viraram todos na terra. A regra agora é outra. Os pecados são pesados em vida, o mundo foi dividido e todos terão que a...