Terras dos Justos

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Essênia


Ela caminhou apressada pelo chão brilhante, manteve o capuz encobrindo seu rosto evitando olhar aquela promiscuidade do séquito de Nefilins que serviam ao filho de Ayel.

Eles brincavam com suas amantes sem ao menos respeitar as leis regidas por ela em seu tempo. Mas agora, infelizmente não era mais ela, era Adreel e nada mais era como antes. Se ainda houvesse leis nesse templo que deveria ser sagrado, fora propositadamente esquecido por ele.

A torre onde um dia Ayel morou e reinou agora era um antro de Nefilins machos e fêmeas que faziam o que queriam. O anjo Adreel não merecia estar sentado naquela cadeira, ele não era, pela visão da essênia, digno de ser o guia dos justos. E ela sentiu pena de que eles, os ímpios, não pudessem saber o que acontecia atrás das muralhas de luz. Se soubessem poderiam pedir, poderiam finalmente falar a palavra sagrada que eles sabiam existir, mas ainda não estavam tocados o bastante para pronunciar. De todo modo, ela ia tentar mais uma vez como era sua obrigação, então para mostrar respeito não a Adreel, mas a mãe dele que um dia sentou naquele mesmo trono. A essênia ajoelhou.

— Meu senhor.

— Diga guardiã dos dois lados. O que a fez sair do templo onde a mão descansa?

A voz doce do anjo não a convenceu, nem mesmo o olhar limpo e as feições bonitas. Ela não confiava nele.

— Vim pedir para que reabra a pesagem esse ano, guardião dos justos.

A essênia não levantou o rosto para encará-lo, mas sentiu pela mudança no ar que ele ficou irritado. Porém quando ele respondeu, sua voz saiu limpa e cálida.

— Os ímpios estão sendo absolvidos de outra maneira. Os pecados estão sendo medidos por mim, com meu dom angelical. Não há necessidade de reabrir a pesagem.

— Mas meu senhor, é necessário que as crianças...

— Você é uma essênia, uma escolhida para representar a doutrina, por isso tem por obrigação sacerdotal seguir as minhas ordens enquanto eu for um governante escolhido pelos anjos.

Ela levantou o olhar apenas para ver que ele sorriu ao dizer isso, então novamente abaixou a cabeça não sabendo o que responder. Não lhe foi dito que passaria por isso, lhe foi dada a função de cuidar do templo e da pesagem e somente isso.

A essênia aguardou calada pela dispensa, tinha cumprido sua obrigação, mas se pudesse interferir teria dito que ele não era escolhido pelos anjos, a mãe dele foi e que ele estava ali apenas por ser herdeiro dela. Todavia estava acontecendo, ela sabia que tudo era por um propósito maior e que o tempo da pesagem se findando, estava chegando silenciosamente uma nova era, um novo ciclo e dentre todos do mundo, apenas ela sabia.

Mas o que ela não entendia era o motivo de Adreel ainda a manter dentro do templo para cuidar dão mão de bronze já que a pesagem não mais acontecia. Talvez ele soubesse que ela ainda tinha coisas a cumprir, que não era somente a mão que ela guardava, mas o segredo. Só que ele não podia saber, isso estava além dela e dele.

— Agora vá.

A essênia fez um aceno sutil e se retirou de cabeça baixa. Em nenhum momento o olhou ao sair, pois temia que ele desconfiasse que ela soubesse o motivo de ele ter banido a pesagem.

Na época de Ayel, do lado dos justos o primeiro a ser pesado sempre era o imperador, depois vinham os nascidos daquele ano. Os pais motivados por ver o guardião se submeter ao julgamento, voltavam a acreditar na justiça divina e aceitavam melhor quando tinham o filho levado para o lado dos ímpios, e com isso continuavam tentando obter a benção para o próximo filho sendo bons e seguindo as leis.

A Era dos Anjos- Os filhos de Ayel- DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora