A divisão

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Floresta da Cidadela

As batatas finalmente ficaram prontas e Ainne com água na boca viu a mãe pegar uma e colocar as outras duas em uma tábua. Entregou-lhe em seguida sorrindo ao ver seus olhos brilhando.

— Duas?

— Seis anos meu pequeno anjo. Cada batata equivale a três anos de sua existência.

Ainne, indecisa, apertou os lábios. Sentia muita fome, mas não queria comer mais que sua mãe. Logo ela teria idade para poder caçar e colher e finalmente teriam fartura, mas não queria a mãe morta de fome até lá. Os olhos escuros de sua mãe fixaram nos seus.

— É o justo, peguei uma grande, ficarei bem e hoje é seu dia, não vou aceitar uma recusa. É um dia especial querida, me faça esse agrado.

Ainne assentiu com um sorriso e pegou a batata com as mãos envoltas no tecido do cobertor, não se importou em se queimar um bom tanto com a primeira mordida e depois levantou os olhos pedindo ansiosa. — Continue mamãe.

Ela sorriu balançando a cabeça, mordiscou a batata e continuou.

— Então ímpios e justos se tornaram todos na terra, e assim deveriam ser julgados. Todos aqueles que se negassem a deixar a mão lhes pesar os pecados, seriam considerados automaticamente ímpios e passariam as provações das terras secas. Porque foi isso que aconteceu. A terra ficou dividida em quatro partes.

Um quarto dela ficou completamente cheio de vegetação, fartura e prosperidade. Nesse local ficaram todos os justos julgados pela mão. E depois de um tempo entrar nesse paraíso se tornou o sonho de cada ímpio. E essa parte ficou conhecida como as terras do Sul.

Um quarto ficou como um local de expiação onde vulcões, areia, mares de sal eram tudo o que esse quarto do mundo oferecia. De bom ficaram somente as águas dos rios que cortavam essas terras. Dentre todos os lados, esse era o único que não tinha um muro de luz dividindo os povos, no entanto, fosse por ironia divina ou piada angelical tinha um abismo de escuridão dividindo essas terras e esse, era o lado Norte.

Um lado ficou cheio de peregrinos, clanades, tribos, clãs e por fim os residentes que se estabeleceram no lugar usando o novo regime ditado pelos anjos. Também é um dos poucos lugares do mundo onde se tem algum tipo de comércio é nesse lado que fica tanto o único portão que dá acesso ao lado Sul quanto a mão para pesagem. E esse é o lado Leste.

O último lado ficou com as riquezas minerais, no entanto a vida é escassa e nem mesmo o que se é plantado por mãos mestiças chega a nascer, por conta disso, as tribos não conseguem fixar moradia por muito tempo, porém para sofrimento de muitos, esse é o lado que contém quase tudo o que os ímpios precisam para produção e é um dos motivos que quase todos na terra viraram nômades. As tribos rumam até esse lado para conseguir minerais, metais e qualquer coisa que seus corpos aguentam carregar. A esse lado essencial para o comércio, mas não essencial para a sobrevivência, é o lado Oeste.

Ainne assentiu ainda mastigando sua batata. — E porque é o lado Norte o mais falado?

Sua mãe refletiu por um tempo como se buscasse uma resposta que fosse fácil para compreensão de Ainne.

— Quando o aparte foi feito, todos aqueles que se negavam a passar pela pesagem visto que ainda estavam no lado dos justos, não passavam despercebidos por muito tempo. Um belo dia acontecia simplesmente de se deitarem para dormir em suas casas confortáveis, que já existiam antes da invasão angelical, e ao acordar estavam no relento, sem nada além das roupas do corpo e dos itens no bolso, e todos estes, sem exceção, acordavam nas terras do Norte, a terra da expiação e então peregrinavam por essas terras até chegarem às terras do Oeste ou do Leste.

A pesagem seguiu por muito tempo desde a Cisão, mas a teimosia e malandragem de muitos homens eram maiores que seu temor, porém mesmo usando de qualquer artimanha, não houve quem conseguisse escapar aos olhos treinados dos anjos que sabiam somente de olhar, quem estava negligente com suas obrigações com os desígnios de Deus. De uma maneira ou outra, depois de alguns anos, todos os que ficaram do lado dos justos sem passar pela mão divina, já estavam devidamente no lado dos ímpios.

Ainne deu uma enorme mordida na segunda batata, não queria perder a quentura que massagearia e aqueceria seu estômago. Olhava com os olhos arregalados a mãe que sabia que ela adorava essa parte.

E ela gostava realmente, pois sentia um misto de medo, fascinação e curiosidade com as terras proibidas. Sua mãe também deu uma mordida na batata, e para tortura de Ainne, ela mastigou devagar enquanto lhe olhava de modo divertido sabendo que ela esperava ansiosa. Quando terminou ela sorriu e continuou.

— Por conta disso, desses castigados que acordavam nas terras do Norte e precisavam fazer sua peregrinação, muitos rumores foram contados sobre as escuras e perigosas terras nortenhas. As lendas que se criaram eram as mais sombrias. Muitos peregrinos narraram em rodas ao redor de fogueiras a sua viagem por essas terras e segundo eles, havia lá um terceiro povo, esse nem ímpio e nem justo.

Não eram nada parecidos com os humanos, não em tamanho e muito menos em estrutura física. Segundo contaram muitos, estes eram quase gigantes e foram trazidos para manter a terra segura das criaturas do abismo de Abaddon porque segundo os peregrinos, no fundo desse abismo estão os demônios menores colocados ali diretamente por Deus para guardarem a entrada do inferno, porque sempre foi sabido que anjos não morrem, assim como os demônios também não. Eles são aprisionados ou banidos, e todo local de banimento tem um portal assim como toda prisão tem um portão. E é nesse escuro abismo que existe esse portal.

Ainne piscou várias vezes. Sempre, todas as vezes que sua mãe narrava essa parte sobre o abismo, ela sentia seu coração acelerar. Sentia medo, fascínio e por algum motivo que ela não entendia, ela tinha uma simpatia sinistra sobre esse lugar que nunca viu. Sem ter noção dos anseios de Ainne, sua mãe continuou narrando.

— De início muitos não acreditaram, acharam que essas histórias eram contadas para gerar pânico e evitar que os povos seguissem para as terras do Norte. Muitos até começaram a cogitar que lá, escondido em algum lugar existia um tesouro, ou mesmo outra cidade abençoada por Deus com fartura e prosperidade e na qual somente os mais corajosos que aceitassem arriscar a vida a procurar, conseguiriam encontrar. Afinal era um local de expiação e muitos acreditam que locais assim são meritórios e quem vence sempre recebe um prêmio, por conta dessa crença alguns até começaram a se arriscar por aquelas terras.

Mas então, conforme mais peregrinos chegavam e narravam a mesma história, e mais aventureiros partiam sem nunca mais voltar, a lenda se espalhou e todos finalmente acreditaram que as terras do Norte não pertenciam mais aos homens, nem ímpios, nem justos. Pertencia a nação de um povo que fora condenado há séculos atrás e no dia da Cisão também receberam o direito a uma segunda chance. Mas eles, assim como os humanos eles voltaram sob condição de cumprir todas as regras impostas particularmente a raça deles e a mais importante de todas é que quando necessário que cacem qualquer demônio que se descubra existir na terra.

Oiee gente, então, se encontrarem erros, saibam que estou amarrando detalhes, pequenos trechos, por agora estou postando completamente cru. Beijos.

A Era dos Anjos- Os filhos de Ayel- DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora