Lado sul

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Sem ter o que fazer, Ainne se deixou levar por mãos fortes, porém com uma pegada delicada como se quisesse mostrar a toda a multidão que observava que nada de ruim aconteceria a moça que escoltavam.

Adreel sorriu largamente quando a viu presa por seus anjos e para surpresa de Ainne ele não pareceu ofendido com sua fuga. Ao contrário, lhe estendeu a mão e continuou sorrindo.

— Agora você pode escolher quem entrará com você. Quem será o beneficiado de viver do lado dos justos.

A mente de Ainne correu freneticamente. Tinha poucos que ela queria que ficassem bem, no entanto acabou sentindo que eles não estariam melhores que agora se passassem por aquele portão. Acabou por balançar a cabeça. — Ninguém, meu senhor.

Isso não surpreendeu Adreel, parecia que ele sabia que ela não tinha ninguém a quem se agarrar. Mas Ainne tinha...

Ângelus a tiraria dessa situação, seu anjo negro lhe salvaria.

Eloá também tinha sido escolhida por um anjo de cabelos loiros e olhos tão azuis quando Adreel, no entanto não pareciam olhos cálidos e bondosos, e sim cheios de cobiça nas curvas de Eloá que lhe lançava sorrisinhos ignorando completamente a situação de Ainne que caminhava ao seu lado.

Ainne estranhou aquele comportamento dela, tão doce e altruísta e agora alheia a tudo a sua volta. Ela parecia estar sobre algum tipo de hipnose. Isso a preocupou e olhou mais atenta e desconfiada para o séquito que agora caminhava tranquilamente como uma procissão celestial em direção ao portão. Nenhum anjo voou, porém nenhum deles recolheu a asas, ostentavam aquela relíquia como prova de sua essência pura. Mas Ainne sabia, de alguma forma ela sabia que nenhum ali era anjo de verdade. Eram todos eles Nefilins alados e belos. Inclusive...

Ela olhou para Adreel. Ele era o epíteto da beleza celestial narrado por muitas bocas, era o símbolo da pureza no olhar e da bondade no rosto. Mas era uma máscara sem vida. Tudo nele era falso, inclusive a serenidade que aparentava. Ele era um Nefilin, não... Ainne o olhou de canto novamente. Ele era o guardião dos justos, porém não era um anjo isso ela teve certeza.

Quando passaram pelo portão, ela deixou uma lágrima escapar e quase levou a mão ao peito tentando apertar a relíquia celestial que tinha, poucas horas antes, ganhado de Ângelus. Essa seria sua lembrança dele.

Nem ao menos tinha conseguido se despedir. E agora sem se dar conta, já estava do lado dos justos. A multidão tinha sumido dando lugar a fileiras e fileiras de árvores imensas.

O caminho era pavimentado e ao longe se via muitas casas espaçadas com plantações em seus quintais. Um enorme rio se via ao longe, calmo e sereno, mas de proporções dantescas. Aliás, era um lugar maior do que imaginou. Viu vilarejos distantes e ali, na estrada animais passeavam pela floresta tranquilamente e Ainne vincou a testa.

Ouviu a voz de Adreel. — Os animais aqui são respeitados. Só se caça o que se come. Não se negocia nem carne, nem peles. Tudo o que se negocia provém do suor do rosto dos justos. No entanto tudo o que plantam nasce livre de pragas e com fartura.

Ainne assentiu tentando evitar olhar para o anjo. Seu silêncio não desmotivou o filho de Ayel a continuar falando. Porém a atenção de Ainne foi para uma enorme ponta de torre a muitos quilômetros à frente.

Ficou desanimada, era lá, tão longe que ficariam, pois a torre branca era de conhecimento dos ímpios, que ouviam histórias sobre a morada de Ayel.

Adreel sorriu e sem aviso a carregou. — Não está achando que permitiríamos que caminhassem em tão longa distancia, não é?

Ainne ficou contrariada por ter que se submeter a isso, apertou os lábios quase revelando que podia voar assim como ele, mas não entendeu porque ele não reconheceu sua origem, ela como era Nefilin reconhecia a todos e nenhum deles parecia saber sobre ela.

A Era dos Anjos- Os filhos de Ayel- DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora