A porta se abre. Finalmente estávamos em casa.
Mamãe ficou pensativa, imóvel no sofá da sala. Estava perturbadoramente quieta, e assim permaneceu enquanto fui buscar alguma roupa limpa.
Nosso quarto, nossa cama, minhas roupas de dormir. Eu somente precisava de um banho e dormir o suficiente, pra me fazer acreditar que tudo aquilo foi um pesadelo.
Com uma das mãos livre, jogo sobre a cama uma camisola apenas. Mamãe sabia que tendo as mãos doloridas e o braço direito na tipóia, seria difícil pra conseguir me cuidar sozinha.
Desde quando saímos do hospital que ela evita até mesmo olhar nos meus olhos. Diante de Melli parecia ser outra pessoa. Não entendia o motivo de fingir não estar chateada comigo no hospital e agora se isolar, mostrando pouco se importar comigo.
Mesmo sabendo de minhas dificuldades, pouco se importou. Eu precisava de ajuda no banho, de ajuda pra trocar de roupa e também para comer. Mas talvez esse fosse meu castigo. Eu apenas aceitei calada. Descer com a toalha e as roupas limpas foi um inesperado desafio.
- Isa...
Paralisei enquanto passava por detrás do sofá.
- Sim mamãe...
- Não vai me explicar o que aconteceu? - Ela acariciava o braço esquerdo do sofá. Estava cansada, com os olhos pesados.
- Eu... - Sem saber o que dizer apenas abaixei a cabeça. - Me perdoe...
- Sente-se aqui Isabelle. - Era óbvio que ela estava decepcionada comigo.
Não olhou nenhum momento em meus olhos. Nem quando passei diante dela e sentei ao seu lado.
- Vamos lá... - Rouca e mentirosa, sua voz tentava me convencer de que eu era a única que precisava ser ouvida. - Me conte agora o que aconteceu.
- Mas mãe... – Minha voz falhava. Ter que lembrar de detalhes que eu queria a todo custo esquecer, iria no primeiro momento me fazer chorar.
- Vamos filha, eu preciso saber. – Mamãe não tinha forças pra ser dura e inegociável. Ela fazia o punho direito bater levemente contra a coxa, assim como um juiz pedindo ordem com seu martelo de madeira. Mas não me dava ordem. Me pedia. Queria me ouvir dizer algo. Talvez eu tivesse a resposta para os seus problemas.
- Isaque... - Citar seu nome fez aquela cena passar diante dos meus olhos. Os golpes contra o rosto de Isaque se repetiam um após outro dentro de um intervalo de menos de um segundo. - Ele sempre me maltratou... - Por mais madura que eu parecesse, eu ainda tinha apenas sete anos e alguns meses. Não pude esconder. Meus olhos lacrimejavam até vazar lágrimas diante daquela situação tão desconfortável. – Eu... Eu só queria fazer ele entender... Que temos que ser fortes... – Soluços e mais lágrimas. – Que temos que...
- Queria fazer ele enxergar que é forte, tentando mata-lo?
- Não mamãe, você não entende...
- Então me faça entender Isa! - Sua voz aumenta causando dores na cabeça.
- Me desculpe filha por gritar...
Ela leva a ponta dos dedos nas laterais, fazendo movimentos circulares na altura dos olhos.
- Meu comportamento gera influencia no seu... - Continuava a olhar pro chão, para a mesinha de centro por cima daquele tapete velho e rasgado.
- Não mamãe...
- Sim Isa é minha culpa.
Ela chorava fazendo o peso da culpa dobrar sobre mim.
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Outras Proporções de Dor - Ato 1
AdventureAté que ponto somos considerados "resistentes" ao sofrimento? Isabelle ainda não descobriu o grau de maturidade e ingenuidade que uma criança de 7 anos e meio deve ter. Dona de uma mente inalcançavelmente fértil, Isa observa, imagina, cria, aprende...