Capítulo 10

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Por alguns instantes me iludi com a sensação de alívio. Eu havia vomitado minhas inquietações com todo o peso e culpa que estavam dentro de mim. O silêncio era torturante. Prevaleceu até meu choro fazer barulho. Deitada no chão abraço o próprio corpo. O rosto colado no piso, olhando tudo de lado, vejo mamãe se levantar. Se aproxima até que eu veja apenas seus pés. Se abaixa diante de mim como se fosse me pegar no colo. Fecho os olhos, pronta pra sentir seu carinho, pronta pra ouvir ela dizer ao me pegar no colo, que tudo iria mudar, dizer o quanto me amava. Os milésimos de segundos se estendiam para quase meio minuto.

- O que ela está fazendo? Não vai cuidar de mim, não vai fazer sua própria filha parar de chorar? Que tipo de mãe ela é? Digo, que tipo de mãe, ela quer ser?

Comecei a sentir um sentimento parecido com medo.

- Acho que desta vez eu devo ser castigada. Gritei e fui má com ela. Eu merecia mesmo uma surra.

Aperto mais forte os olhos. Apenas aguardo a palma de sua mão estalar em meu bumbum.

1,2,3 instantes de silêncio. Ainda apreensiva, nada tinha acontecido. Abro os olhos lentamente com medo de me assustar caso ela ainda decida me bater.

- Mamãe...? - minha voz esta baixa e rouca.

Com os olhos ainda semiabertos, vejo um rosto sem máscara, um rosto triste, olhos fundos quase cinza. Ela estava deitada exatamente da mesma forma que eu, mas do lado oposto. Suas pernas para um lado, as minhas para o outro. Imaginei um imenso relógio desenhado por toda a sala. Éramos como os dois ponteiros, eu marcava as horas apontando as pernas para 1h e mamãe marcando 30 minutos, apontando para o 6. Coincidentemente, estávamos marcando a hora certa. No canto superior direito da TV indicava 01:36 da madrugada.

Ela rasteja para mais perto de mim, deixando seu rosto centímetros do meu.

- Me desculpa Isa...

Eu não conseguia acreditar. Era como se a águia baixasse a guarda e se achegasse junto ao ninho de seu filhote. Sem palavras sigo a observar quase imóvel.

- Estamos enfrentando uma situação difícil... - Ela falava baixo, como se me contasse finalmente o tal segredo. - Eu te amo muito filha e o que mais quero é que cresça feliz, segura e saudável.

- Mas a senhora sempre cuidou bem de mim, - tentei ser mais doce e meiga possível.

- Eu apenas quero que dívida comigo sua vida, seus problemas...

Ela ergue a mão mostrando que não queria ouvir mais nada. A mão ainda no ar, pousa em uma mecha do meu cabelo. Seus dedos macios e enrugados de tanto mexer com água e produtos químicos, deslizam do cabelo para minha bochecha esquerda. Me esforço para esconder que o forte cheiro de desinfetante em sua mão, me incomodava. Ela continua acarinhando meu rosto, passeando, desinfetando talvez alguma sujeira do meu semblante. O cheiro daquela química, lembrava um buquê de rosas fortemente perfumadas, que fincadas dentro de minhas narinas faziam meus olhos lacrimejarem. Eu amava seu toque, seu carinho. Mesmo me sendo um incômodo, não podia permitir que ela percebesse. Já havia a magoado demais.

Um sorriso enferrujado surge com dificuldade. Meu rosto era como um vidro trincado.

- O que foi...? - mamãe percebe meus olhos vermelhos quando tento evitar um espirro.

- Está tudo bem filha?

- Sim... - digo antes de virar rapidamente o rosto para o outro lado liberando aquela carga que queimava meu nariz.

Outras Proporções de Dor - Ato 1Onde histórias criam vida. Descubra agora