Dizem que quando estamos próximos da morte, nossa vida passa diante dos nossos olhos em uma fração de segundos. Por mais que a mente calcule uma ação, o corpo permanece imóvel, sem reação. Assim meu corpo se encontrava estirado no asfalto, sobre aquelas grandes listras brancas que formavam a faixa de pedestres. Meu corpo era o meu próprio tumulo. Estava presa dentro de mim, sem poder se mover. Gritos de dor, de pânico, desespero. O cruzamento era palco de atuações perfeitas o suficiente, para quase me convencerem daquele pesadelo. Não era possível ser real. Não havia necessidade alguma daquilo ser algo real.
- Sua mamãe está bem, agora fique calminha...
A voz daquela senhora me deixava cada vez mais tonta. Tantas pessoas gritando me deixava assustada demais para se preocupar comigo. Tento mover as pernas, os braços, mas eu estava completamente imóvel. Era agonizante. Eu precisava saber onde estava minha mãe.
- Por que essa senhora não me deixa em paz?
Em um repentino esforço, consigo olhar para minha esquerda. Todas nossas compras estavam espalhadas pelo asfalto. Algumas frutas eram pisoteadas por pessoas que corriam sem rumo.
- Olha lá, o senhor laranja... Tento gritar ao ver algumas laranjas rolarem desgovernadas pelo chão. - Foge senhor Laranja! Salve suas namoradas!
Ele jamais iria me ouvir. Aquelas esferas rechonchudas saíam do meu campo de visão.
-Parem de correr! Seus loucos!
Eu gritava dentro de minha mente. Mais das nossas compras eram espalhadas e pisoteadas.
- Mãe! Olha o que essas pessoas estão fazendo com nossas compras! Cadê você? Mãe!!
- M...Mãe.. – Continuava tentando levantar.
- Ei mocinha, não se mexa... – A senhora fez uma leve pressão em meus braços. Estava decidida a me atrapalhar.
- Me deixe se levantar! Sai daqui!
Os biscoitos, utensílios de cozinha, toalhas novas, tudo estava jogado no chão. Uma caixa amassada, com a foto deformada de um computador portátil.
- Não, mamãe! O notbook! Olha o que fizeram... MAMÂE!
Inquieta eu me debatia como um peixe fora d'água. Me levantava e corria para todos os lados recolhendo nossas coisas.
- Mamãe! Mãee!
- Pronto, a ambulância chegou queridinha. – Era apenas uma proposital ilusão. Ainda estava presa naquele asfalto frio.
Mover os olhos começou a me causar fortes dores na cabeça.
- Mãe...
- Sua mãe está bem menina. – O rosto de um homem surge diante de mim. Logo em seguida mais pessoas nas laterais. A dor na nuca triplica quando sou erguida por mais de uma pessoa.
Meu rosto queimava, e meu cérebro parecia saltitar dentro da cabeça. Fecho os olhos.
Segundos depois, sinto uma luz penetrar por minhas pálpebras. Me assusto, ao lembrar do par de faróis. Apenas meu rosto se movimenta, como um inesperado soluço.
O desespero finalmente me consome por inteira. Sinto meu corpo pousar sobre uma superfície macia, semelhante a uma cama. Ainda de olhos fechados, busco fôlego para gritar. Tantas vozes, tanta gritaria, tantas pessoas ao meu redor. Eu estava sozinha. Não podia sentir seu perfume, não podia ouvir sua voz.
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Outras Proporções de Dor - Ato 1
AdventureAté que ponto somos considerados "resistentes" ao sofrimento? Isabelle ainda não descobriu o grau de maturidade e ingenuidade que uma criança de 7 anos e meio deve ter. Dona de uma mente inalcançavelmente fértil, Isa observa, imagina, cria, aprende...