22. fin

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Começou a garoar justo quando ele alcançou o prédio de Amelia. A manhã anunciava um dia cinza e melancólico, mas James não se importou. Todo final, ele acreditava, deveria conter um pouquinho de tristeza em si. A garoa evoluiu para uma chuva fria quando ele pisou no hall de entrada do prédio.

Sem surpresa, notou que tudo parecia igual. O piso brilhante, o som metálico do elevador, Frank, o porteiro gorducho que dormia com a cabeça caída para frente, e a planta artificial próxima às escadas eram como elementos de uma pintura renascentista. Tomando cuidado para não acordar Frank, James esperou. A última carta, enfiada desajeitadamente em seu bolso traseiro, pareceu pesar uma tonelada quando ele entrou no elevador.

Ele girou a carta entre os dedos e respirou fundo. James escrevera aquelas linhas há dois meses, mas não tivera coragem de entregá-las a ela. Por dois meses inteiros a maldita carta o encarou acusadoramente esperando pelo momento de glória, o grand finale. Por dois meses ele ignorou o chamado, desviando os olhos, evitando aquele pedaço de papel como se sua vida dependesse disso.

Até aquela manhã feia e cinzenta, onde James decidiu seguir em frente. Arrancar o último Band-Aid e colocar um ponto final naquela história.

O elevador abriu as portas e ele saiu para o quarto andar. Não havia como voltar atrás agora. Os pés o guiaram, sem hesitação ou dificuldade, ao apartamento 402. Uma vez em frente à porta dela, James parou.

Havia algo de esquisito sobre aquele ritual agora. Antes ele acreditava que Amelia abriria a porta, gritaria com ele e que tudo ficaria bem. Antes James tinha esperanças. Agora? Bem, agora ele tinha certeza que a esperança era tão real quanto a Fada do Dente, Papai Noel ou os descontos da Black Friday.

James tocou a plaquinha de metal com o número do apartamento impresso na porta e suspirou. Deixe Amelia ir, pensou ele, mas quem disse que seria fácil esquecer aqueles olhos amendoados e a tatuagem de cavalo-marinho?

Finalmente, como um cavaleiro medieval que espera a benção de sua rainha, ele deixou que apenas um joelho tocasse o chão e engoliu em seco. James enfiou metade da carta para dentro do apartamento, ainda segurando a pontinha por puro hábito, quando Amelia abriu a porta.

Ainda ajoelhado, James olhou para cima, surpreso pela visão dos olhos amendoados de Amelia encarando-o de volta. Ela piscou, a boca delicada ligeiramente aberta. O tempo parou, e James teve de se controlar para não pedir Amelia em casamento ali mesmo, sem anel ou ideia do que dizer. Ela franziu os lábios, apertando a alça da bolsa.

Com os olhos presos aos dela, James se ergueu.

— Me desculpe — disse ele.

Amelia o encarou de volta, e eles dividiram um silêncio profundo, perturbado apenas pelo som distante da chuva e de sirenes de polícia. Ela usava uma camisa azul-marinho, as mangas enroladas deixando à mostra o relógio de pulseira de couro, e parecia pronta para ir ao trabalho. Sem graça, ele baixou o rosto.

O engraçado é que James imaginara aquele encontro um milhão de vezes. Ele até ensaiou em frente ao espelho o que gostaria de dizer a ela quando ainda acreditava que receberia uma resposta.

James diria que nunca fora sua intenção fazê-la infeliz, que se pudesse voltar no tempo para ser o melhor amigo dela desde aquele primeiro Natal, ele o faria no mesmo instante. Diria que se arrependia profundamente de tudo, da bebedeira, das decisões erradas que tomou e das repetidas vezes que a chamou de ciborgue. Diria que ele seria o primeiro a estar ali para e por ela, que ele a amava mais do que Tristão amou Isolda, ou Napoleão amou sua Joséphine.

Entretanto, debaixo do escrutínio silencioso dos olhos de Amelia, todas as palavras sumiram. James estendeu a carta sem erguer a cabeça. Um suspiro dela chegou a seus ouvidos e, numa voz cansada, ela disse:

Sempre Seu Idiota, James | ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora