09. solteira

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Querida Amelia,

Eu sei que você provavelmente não quer ler sobre isso, mas tentar explicar minhas razões sem reviver os eventos daquela noite é como falar sobre a Segunda Guerra Mundial sem mencionar o Dia D. Já que chegamos até aqui, lá vai.

Tudo estava pronto para o casamento. A capela, o padre, a festa, a felicidade. Você e Charles se casariam ao pôr-do-sol, numa capelinha feita de pedra e concretada pelo inegável clima provinciano dos romances de época. Estava tudo pronto, só havia uma coisa faltando.

Sua amiga Tracy — a ruiva de nariz arrebitado e risadinhas irritantes — disse que você, como Charles, deveria ter uma despedida de solteiro. Uma despedida de solteira, na verdade. Estávamos na sala quando a sugestão surgiu, e eu ergui discretamente os olhos da revista que lia para encontrar uma careta no seu rosto. "Não estamos na porra do American Pie, Tracy", você resmungou, mas sua amiga risonha não desistiu até você concordar com a ideia.

Nicholas arranjou a despedida de Charles, Tracy, a sua. Ela me contou que juntaria algumas garotas e que vocês iriam a uma boate badalada do centro para dançar e talvez arranjar um homem de verdade. Tracy umedeceu os lábios quando disse isso, os olhos fixos nos meus, mas fingi não entender. As risadinhas dela são muito assustadoras para serem consideradas interessantes.

Enfim, naquela noite fui à festa idiota de Charles. Dentro da casa de um dos amigos dele, homens bebiam cerveja, discutiam futebol e brincavam com o noivo sobre o jogador que ia pendurar as chuteiras tão cedo! Eu estava incrivelmente entediado, bebendo a sexta cerveja seguida para ficar bêbado e ignorar todos à minha volta quando o seu irmão bateu palmas e gritou: "É hora do show, camaradas!"

Seis strippers usando fantasias de policiais entraram na sala debaixo de assovios e piadinhas sujas. Os caras pareciam envolvidos, chamando as garotas e pulando em volta do noivo como galinhas nervosas ao redor do milho. A situação toda era meio deprimente, e por mais que eu deteste Charles, preciso admitir que ele enfrentou a situação como um cavalheiro. Até os amigos dele o empurrarem escada acima com uma stripper chamada Candy, a conduta dele foi própria de um lorde inglês.

Nesse exato momento, quando eu estava prestes a ir embora, Tracy me ligou. Seu irmão deve ter dado meu número a ela, pensando que eu estaria interessado em transar com a Risadinha. Me sentindo muito bêbado — e um pouco solitário, admito — atendi o celular. Para minha surpresa, Tracy não ria.

Com uma música alta ao fundo, Tracy me disse que você não estava se sentindo bem, que ela havia tentado falar com Nicholas, mas que ele não atendia o celular. Acho que levei três segundos para sair da casa e correr até o carro, tropeçando nos próprios pés e mal conseguindo enfiar a chave na porta do carro. Não sei como não me matei no caminho até o clube, dirigindo guiado apenas pela vontade de chegar até você.

A boate estava lotada, as luzes coloridas dançando sobre as cabeças de todos, seguindo o ritmo frenético de uma música alta, com um baixo que reverberava nos ossos dos presentes. O cheiro de suor, álcool e fumaça estava por todo lado, e fiquei aliviado ao encontrar Tracy e você antes que eu vomitasse na pista de dança.

Foi a primeira vez que vi você completamente bêbada, Amelia.

Você estava escorada no balcão, seus lindos olhos amendoados fixos nas luzes de néon com o característico brilho dos olhos embriagados. Parei na sua frente meio abobalhado, meio sem saber como reagir àquela visão.

Naquela noite a aluna exemplar, presidente da classe, rainha da pontualidade, a próxima editora-chefe do New York Times, Amelia Fowler, estava completamente bêbada. E devo acrescentar que você estava... mais perfeita do que nunca.

Me aproximei de você com uma garrafa d'água nas mãos, dizendo que era hora de ir pra casa, mas você riu e me segurou pela nuca. "Não, James", você sussurrou no meu ouvido, "é hora de dançar." Então, antes que eu pudesse reagir, você me arrastou para pista de dança, deixando Tracy para trás.

As luzes brilhavam em seus cabelos castanhos, e seus movimentos, Amelia, seus movimentos... eu estava hipnotizado pelo seu corpo, pelo cheiro doce da sua pele suada, pela maneira como você sorria pra mim, como se eu fosse o único homem da face da terra. Se você tivesse me pedido uma constelação ou um planeta, eu teria dado sem nenhum questionamento. Ou teria simplesmente perguntado "Qual deles você prefere?" antes de atender a todos os seus desejos.

E quando você me segurou pela nuca outra vez e disse: "Me leva embora, James", a razão da minha tristeza ficou tão clara quanto um uniforme de enfermeira.

Eu estava — correção: eu estou — terrivelmente apaixonado por você, Amelia, e descobri isso na sua despedida de solteira, uma noite antes de você se tornar uma mulher casada. Que timing perfeito, não?

Sei que o amor não é uma boa desculpa para justificar as coisas que eu fiz, as palavras medonhas que gritei no microfone, mas o amor pode ser um juiz de merda. Principalmente quando aliado à tristeza e ao rancor. Sinto muito, Amelia.

Sempre seu idiota,
James.

Sempre Seu Idiota, James | ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora