Saudades

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Preciso vê-la! Sinto que tenho algo para mostrá-la. Talvez ela goste deste desenho, talvez não. Talvez ela me ache um tolo ou algo do tipo. Amanhã estarei em prontidão esperando ela abrir o antiquário. Ou melhor, devo visitá-la hoje mesmo, pois não consigo conter a ânsia de vê-la a todo custo.

O barulhento telefone de Anne toca, ela desliga o chuveiro e deixa o pai no Box do banheiro, enquanto vai atender a chamada. Para a sua surpresa, do outro lado da linha uma voz conhecida lhe deseja boa noite e pergunta se tudo está bem. A voz tímida e rouca eliminava qualquer dúvida de quem fosse o emissor. Sabendo que é Vogel, ela marca em sua casa um encontro para conversar.

(Mesmo na precisão de gerenciar o seu problema com o pai, ela imaginava, além da ajuda que ele poderia lhe oferecer, esta seria uma oportunidade para o início de uma intimidade.

– Rapaz! Estou com aqueles problemas, gostaria que você pudesse me fazer companhia. Meu pai está apagado, bebeu demais. A casa é grande e não estou me sentindo bem para ficar sozinha! Poderia vir?

Vogel não deu chances para nascer outras alternativas pois sabia bem o que tanto queria. Pensava: A sorte nunca me visitou por duas vezes, então, não poderia deixar essa oportunidade passar, até porque era tudo o que eu mais queria.

Ele vestiu uma jaqueta de couro na cor marrom, dobrou o desenho e colocou em um dos bolsos da mesma, trancou o seu estimado "quarto-cárcere", e foi em direção a garota que perturbava o seu sono. Foi a pé, pois estava sem grana para o táxi.

Chegando na residência dos Steinberg, depois de ter andado tanto, recordando a história de sucesso do pai da Anne, sentiu falta de seguranças uniformizados. Avistou uma cerca elétrica, câmeras e alguns mecanismos digitais que se camuflavam ao gigantesco portão de ferro maciço daquela mansão. O jardim mais parecia uma obra de arte. Havia uma caixa que fazia leitura ótica das digitais de qualquer visitante.

Anne não precisou estudar as digitais de Friedrich para abrir o portão. Apenas visualizou a sua presença nos vídeos transmitidos no monitor das câmeras. Acho que ela deve ter pensado: "O meu amigo magricelo e de nariz torto já está aqui"!

- Não entendo por que ela nutria tanta confiança em mim, sendo que só nos vimos apenas duas vezes. É estranho permitir-me adentrar a sua casa de tal forma. Voltando à Terra, fui atacado por dobermanns que correram em minha direção como a perseguir algum bandido. Fiquei apavorado! Nunca tive uma boa relação com quadrúpedes. Anne que me esperava na porta de entrada, apesar da tristeza que estava imersa, ria do meu semblante e jeito desconcertado de fugir dos cachorros.

- Szipil, Marx, Boris! Venham já até aqui!

Assim gritou ela. Foi um alivio quando aqueles cães perturbadores da paz obedeceram aos seus comandos.

- Boa noite, Anne! Aqui estou conforme o prometido.

Ela satisfeita com a sua presença e ainda segurando um riso, disse:

- Olá Senhor Vogel! Estava brincando com os meus bebês?

Admirado com tal tratamento com os bichos, ele disse:

- Como tem coragem de chamar essas feras de bebês? Hilário tudo isto! Curioso o nome deles. Achei fora do comum nomear o cinzento de Marx. Por acaso você gosta das obras de Marx?

Simpaticamente ela respondeu:

- Não é dos meus preferidos, nada tem haver com ele, foi apenas uma escolha às cegas! Vamos entrar amigo?!

- Sim! Sabe, fiquei bastante preocupado contigo. Que tem acontecido?

- É o meu pai que está bêbado, e para completar, mais estúpido que o de costume.

Com medo de ter sido algo mais grave, Vogel lhe pergunta:

- Ele te violentou? Tocou em você?

- Calma Friedrich! Não há nada desta natureza, não é para tanto!

- Desculpe-me o mau jeito então! Só queria me assegurar que estava bem.

Anne fechou a porta com a mão esquerda, e encostada na mesma, fixou seus olhos nos lábios do seu visitante, deixando-o todo desconsertado. Para não demonstrar o seu nervosismo, perguntou-lhe:

- Seu pai está melhor? Onde ele está?

Ela também desconsertada, saiu bruscamente de perto da porta e andando pela bela sala, antes de entrar em outro cômodo do imóvel, perguntou se ele aceitava alguma bebida. Devido à distância entre os dois corpos, ela teve que gritar que aceitaria um copo com água, somente. Quando finalmente estava de volta, segurando uma bandeja com a água, assim como ele havia pedido, e acrescentou duas taças vazias acompanhadas com uma garrafa de vinho do Porto da safra de 36, perguntou se eu poderia acompanhá-la degustando aquele vinho, o qual, era notório, lhe agradava demasiadamente. Respondeu:

- Não tenho costume de beber, mas se isto for te agradar e fazer-lhe bem, aceito sim!

- Sabe que não precisa beber só para me agradar. Mas de qualquer forma, preciso que me acompanhe, pois sozinha não tem a menor graça. Ah! Desculpe-me o esquecimento. Mas fique à vontade para sentar onde quiser.

Ele sentou num sofá vermelho e discretamente ficou a observar a sua sala.

Ela era bem diferente dos ambientes do antiquário. Ali o gosto pela modernidade predominava. As cores eram quentes e frisavam um dégradé entre o marrom, vermelho e azul-marinho. A iluminação era tão forte que chegou a imaginar que o raiar do sol ainda não os visitara. Os móveis eram poucos; os aparelhos de vídeo e áudio eram embutidos na parede em frente do sofá, o qual ele sentara. Em sua direita, uma lareira fazia o trabalho de aquecer aquele lugar e tornar o clima mais romântico entre ele e Anne. Um lustre banhado a ouro e com pedras de esmeralda dava àquele lugar um ar de mistério.

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