O Numismático

Assassinato no Luterhaus

I

Narrativa do assassino

Não ofereço esta alma ao diabo e nem mesmo a Deus. Ofereço tão somente ao lixo, pois será ele quem mais terá serventia. A piedade é um sentimento grotesco que não faço questão de guardar em meu peito. Não rego flores para o mal. Não cabe a minha pessoa torcer por nenhum time. O meu temor só existe para a minha própria voz. Posso ser poeta ou açougueiro, pois despedacei o seu coração para temperar as entranhas e, assim, degusta-lo com mais sabor.

II

- Estava à espreita, desde as 18h, vigiava cauteloso todo o entra e sai do museu. O segurança daquele local, bem uniformizado e distraído com uma revista de palavras cruzadas, deixara o som ligado a tocar Beatles. O volume estava baixo, mas mesmo assim foi capaz de cobrir os ruídos dos passos do sujeito que, bem esperou para invadir aquele ambiente, supostamente bem guardado! Mal sabia o guardião do museu que a canção Help, dos Beatles, seria a trilha sonora de um crime bárbaro.

Suas mãos tremulas suavam,sua respiração era intercalada com soluços repentinos. Seus olhos ardiam como brasas, enquanto seguiam um ritmo frenético e assustado. Queria sair dali.Despedir-se de um corpo estirado no chão do Luterhaus. Ele estava tão desesperado que, ouvia o espírito de Lutero assobiando canções de sarcasmo em seus ouvidos. Aos poucos, o seu semblante se transformara em algo sombrio. Estava começando a se tranquilizar, logo plantou em si uma frieza amarga. Digna dos mais loucos seres. O riso começara a nascer em sua face. Dizia ele ter realizado a sua melhor obra em vida até o momento. Zombou de Da Vince e qualquer outro grande mestre das artes. Enquanto isso, o corpo exposto do detentor da peça mais cobiçada da numismática fora assassinado, tornara parte de uma obra de arte radical e contemporânea. A vítima era bem vista na sociedade, mas extinguiram-se ali as suas contribuições para à Alemanha.  

Rosto pálido e espiritualizado, lábios cerrados com cor de uvas orvalhadas. Agarra na foice da morte e segue, destemido, imponente, sem sangrar vai ao encontro do túnel que alimenta a luz. Ele faz assim a sua transgressão para o outro plano. Uma ária de Bach acompanha seus passos desprovidos de matéria densa a romper em energia o ar e toda a compreensão humana. O Paraíso era a Terra e ele nem se deu conta disto. Adeus senhor dos gatos! Partiu deixando órfãos. Quiça pudera este narrador interpretar tal atrocidade como um presente. O bom homem voltará a deitar ao lado do seu grande amor.