De volta ao lar

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Vogel mudou-se de Weimar para Eisenach a fim de estancar uma dor, mas queria ser forte o suficiente para trancá-la no baú do esquecimento. A casa herdada estava a sua espera, mas não se sentia preparado ainda para habitá-la novamente. Estava afetado, era notório, o trauma o acusava. Mas o que o assombrava? Seria o fato de que o velho Rudolf fosse um suspeito em potencial de pertencer a SS; os constantes comas alcoólicos da sua mãe ou, talvez, os terríveis testemunhos de espancamentos proferidos pelo seu pai, destinados a sua querida geradora? Além de uma casa, acreditava ter herdado, também, uma maldição de família. O ambiente em que vivera era disfuncional e ali, todos tinham seus segredos.


     7 da manhã, uma cascata de água morna desce em direção a sua cabeça, a ducha promete purificá-lo. O ralo leva para bem longe o seu cansaço e contribui para o seu despertar. Com os pés descalços sai a deixar pistas enquanto gira para a esquerda e alcança uma toalha verde suspensa na torneira da pia e veste-a da cintura abaixo. Acima, o espelho o intimida e mira-o nos olhos. Paralisou... A sua mente fora transformada num deserto por um período de três minutos. Acordou... Lembrou-se do próximo passo, escovar os dentes e encerrar o ritual do banho matinal.

TRIM TRIM TRIM... O telefone tocou.

Anne o aguardava em frente ao Zucker e Zimt Café. Combinara tal encontro na noite anterior. Aquilo era um progresso na relação, estava disposta a ir com Vogel para Weimar, não apenas oferecendo a sua carona, mas também como apoio para enfrentar seus medos face a face. Morando próximo da Rua Alexander, ele planejou alugar uma bicicleta para chegar ao ponto de encontro. Avistou de longe sua "quase namorada". 

    Aproximou-se, beijou-a no rosto e abraçou-a demonstrando a felicidade até pelos poros. Escolheram uma mesa a céu aberto. Sentados frente a frente, um braço se estende a atravessar a mesa tal qual um peão num tabuleiro de xadrez, alcançando o território inimigo a fim de receber sua recompensa. Neste caso, não se tratava da recuperação de uma peça, mas sim das alvas mãos com unhas por fazer da sua amada. 


-Acho que estamos viciados um no outro.

- Concordo, isso é muito prazeroso!

-Por falar em prazer, a gente bem que podia...

- Entendendo as meias palavras, ele responde:

- mas é claro, tudo que eu mais quero. Você não imagina o quanto sua companhia representa para mim neste desafio de retornar àquele lugar. Obrigado por tudo. Que bom que entrei no seu antiquário.

-Erotizando o clima, ela sussurra inclinando-se para frente:

- que bom que entrou em mim!

- Não escutei! Que bom o quê?

- Deixa quieto, seu bobo, vamos pedir o café, aposto que virá não tão quente quanto esta conversa.

-Entreolharam-se e riram timidamente cutucando os pés um do outro por debaixo da mesa.

- Um sorriso aborda-os. Era a garçonete que vestia uma saia preta acima do joelho, pouco pano para deixar evidente as suas pernas bem torneadas. Uma camiseta vermelha se escondia por detrás do avental também preto. O volume dos seios também se destacavam. Ela sabia tirar proveito dos seus atributos. Cabelos tingidos de castanho escuro, nos lábios o batom vermelho abusava de toda a sensualidade. Um discreto crachá a identificava como Marrie.

- Olá, bem vindos ao nosso café, o que vão pedir?

- Um expresso e um misto quente, por favor!

- Para mim, o mesmo! - A garçonete anota o pedido, vira-se e sai causando reação.

-Olha lá ela, está rebolando pra você.

-De modo algum, deve ter uma perna menor que a outra (risos), mas mesmo que estivesse a rebolar, não significaria nada pra mim, estou contigo é o que importa.

- Anne suspira e diz:

- Mais um ponto pra você, está ganhando o meu respeito e isto não é nada fácil.

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Vamos, entre! Disse o rebelde filho que à casa retornara.

- Deixe-me pendurar o seu casaco. Só um momento, vou ligar o djuntor e ativar o aquecedor. Quer ajuda para retirar as botas?

- Então esta é a Vogel Hauss!?

- Sim! Com toda lembrança maldita aqui vivida!

- Não fale assim! Ainda é o seu lar, e o tempo logo estancará esse seu ferimento na alma!  

O NumismáticoOnde histórias criam vida. Descubra agora