O jovem Vogel

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              Branco, magro, altura mediana, cabelos castanhos claro, nariz torto e olhos fora do comum que sustentam uma armação cafona. Tem nos gestos a símile agonia da mãe e no falar, a calma metódica herdada do avô. Ambos se entenderam na alegria e na dor, tornando-os melhores amigos. Rudolf perdeu a esposa aos 63 anos. Fredrich, ou melhor, Vogel, tinha somente 13 quando seus pais foram assassinados.

O relacionamento entre ambos era tão intenso que, às vezes, o jovem usava o termo "pai" para citá-lo entre os colegas, e quando certo professor abelhudo fazia questão de saber como ele vivia e com quem vivia. O sujeito era tão fascinado pelo garoto que estranhamente lhe enviava bombons para sua casa com bilhetes sempre grifando: "Para a nossa fiel amizade, do mestre ao seu discípulo." Para Vogel, tudo isto era irônico e interessante ao mesmo tempo. E não negava esforços para ser o queridinho do professor Albert. A meu ver, o jovem era tal qual o Dorian Gray, um verdadeiro personagem de Oscar Wilde.

Fredrich não era muito afinado com as tarefas de casa. O seu avô também não dava muita ênfase ao caso, pois adorava vê-lo concentrado em leituras e produzindo alguma arte. Tentou ensiná-lo algumas canções no piano, mas não obteve muito sucesso, devido ao desinteresse do aluno pela causa. Ironicamente, Fredrich adorava vê-lo tocar a 9º Sinfonia de Beethoven. Ouvi-la, era como ter um esporro de inspirações sangrando os seus atenciosos ouvidos.

Gostava de cozinhar para si, pois sofria quando o velho tomava o fogão para fazer certo fondue que, nem o bicho mais nojento da Terra aguentaria comer. Assim afirmava o neto decepcionado com as investidas, sem sucesso, do avô. Em seu caso também não era diferente e, se alegrava quando uma gentil vizinha, quarentona, trazia-lhe bolos, pães e quase sempre uma divina macarronada à moda italiana.

Às vezes, Vogel e Rudolf discutiam bravamente a provocarem a tranquilidade da rua em altos berros que deixavam todos atônitos e curiosos. Geralmente o motivo estava ligado à mãe do jovem.

O avô não conseguia esconder o  desprezo que nutria sobre a imagem da "Dama Problemática" que, a seu ver, transformara a vida do Sr. Rafael Vogel num verdadeiro inferno.

As brigas eram constantes, mas logo estavam trocando abraços e olhares de afeição.

Rudolf tinha alguns segredos. Ao entrar em seu escritório, sumia por horas e horas a despertar tenebrosas fantasias da mente de Fredrich Vogel. Em um caderno de anotações autobiográficas o garoto revela:

- Muito me admirava as luzes que saiam pelas frestas da porta do escritório do meu avô. Ele nunca permitiu que eu adentrasse naquele recinto. Pus-me a imaginar, nesta mente de solo fértil, o que ele tanto escondia lá. Pensava, às vezes, que ele era um desses veteranos da Gestapo a saborear as memórias de suas missões, suas honrarias e até o cálculo exato de vitimas. Em instantes este pensamento era substituído. O velho nunca demonstrou sinais de preconceito. O seu próprio filho era a prova disto. Fazia questão de dar ênfase ao lema: "Igualdade, Trabalho e Fraternidade." O seu único problema, o qual eu sempre considerei uma intolerância imperdoável, era sempre a maldita perseguição contra a minha mãe.

Vogel amava a mãe de tal maneira que muitas das vezes, ficava cego diante dos defeitos mais óbvios.

Ela, apesar de tudo, dava atenção ao filho. Mesmo que corriqueiramente, mas existia sim esse laço fraterno em ambos os lados! Ao filho, sempre contara boas histórias da cidade de Berlim, do bairro onde viveu, da derrubada histórica do muro que dividia os povos de mesma raça, e do escritório onde trabalhou como datilografa até conhecer o seu futuro marido, Rafael Zimerman Vogel, pai do seu único filho. É triste não poder dizer que ela era uma pessoa normal, além do vicio precoce com o cigarro, aos 30 já era considerada alcoólatra.

O Sr. Rafael era um desses homens estudiosos e cheios de ideias megalomaníacas, porém, com muita inconstância, por isto não se sentira realizado financeiramente. Esperava sempre por um reconhecimento que não teve em vida. Era orgulhoso. Preferira passar fome, invés de pedir um mísero pfenning ao velho Rudolf. Assim sendo, não demorou muito para que a Senhora Agnes Schroder Vogel o odiasse. Antes de conhecê-la tentou ser escritor. Enviava poemas e minicontos para jornais e revistas da região que nunca os publicaram. Fredrich seria então o predestinado a realizar este sonho.

Mas a relação dele com o pai era de total estranhamento e frieza. O Sr. Rafael era como um fantasma em sua vida. Apesar da distância, ele amava sim o filho, mas não sabia como expressar. É uma pena ter partido sem ao menos ter uma conversa real com o filho que até hoje não o perdoou por toda a falta. Diz o jovem:

-  A partida dele foi um alivio e não uma desgraça!

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