AGENTE 030 (hiatus)

capítulo | 09

Katherine ouviu três batidas à porta e soube imediatamente quem era, afinal, a única visita que recebia era de um ser não muito agradável de se ficar na presença. Aquela noite estava especialmente fria, então abusou do cachecol vermelho e da blusa xadrez que havia comprado num tempo em que ainda podia se considerar feliz. Levantou-se do sofá com seu chocolate quente em mãos e andou em direção a porta, abrindo-a de uma vez e voltando para sentar-se novamente. Não fez questão de olhá-lo, muito menos cumprimenta-lo. Estava farta de receber olhares de acusação e palavras que lhe ofendiam na maioria das vezes; evitar qualquer tipo de contato seria uma boa maneira de se manter intacta – se isso ainda era possível, diante de tudo que havia passado nas últimas semanas. Passava um programa qualquer sobre culinária na televisão e Kate mantinha-se agradecendo mentalmente por ter algo aonde depositar sua atenção; mas mesmo apesar de todo o seu esforço, vacilou ao encarar o agente. Ele havia acabado de fechar a porta, estava com algumas sacolas em mãos e seguiu direto para a cozinha, declarando um sonoro "boa noite" ao passar por detrás do sofá.

Alex colocou as coisas sobre o balcão de mármore, retirando alguns croissants e requeijão cremoso; logo depois colocou um litro de suco na geladeira e assim continuou espalhando todas as suas compras pelos lugares que deviam ser colocados. Kate uniu as sobrancelhas, achando a cena um tanto inusitada; como ele conseguia agir com tanta naturalidade? Não pareciam estranhos. Estavam mais para um casal de namorados que por algum motivo idiota brigaram e agora o rapaz vinha lhe trazendo agrados para que pudessem se reconciliar. Mas aquilo não funcionaria, pensou Katherine. Primeiro, eles não eram um casal e ela deu graças a Deus por isso; aliás, nem soube por qual motivo aquela comparação idiota passou por sua cabeça. Segundo, Alexander Keller era um completo cretino que não media esforços para ofendê-la. Terceiro, ele era um babaca. Tomou mais um gole de seu chocolate quente e desviou o olhar rapidamente assim que ele lhe encarou.

Não olharia novamente.

Mas, sua curiosidade era um pecado e não conseguiu se controlar assim que ouviu o barulho do armário sendo aberto novamente; virou-se um pouco, vendo-o se servir do restante de chocolate que ainda havia na garrafa térmica. Aquilo lhe queimou por dentro. O quão intrometido ele poderia ser? Sabia que o agente estava ali para fazer sua segurança, mas usar de suas coisas sem permissão era algo que ela realmente não iria admitir. Talvez fosse pura pirraça, mas não iria aceitar a forma "natural" como ele estava lidando com todas as situações que já haviam passado em tão pouco tempo. Então Katherine levantou-se, parando de frente para ele, no lado oposto do balcão que separava a cozinha da sala.

— Eu que fiz — anunciou, lançando um olhar de poucos amigos ao agente.

— Eu sei — ele afirmou com a xícara pausada no ar — E o cheiro está muito bom!

— Se fui eu que fiz... — sem pensar duas vezes, ela tomou a xícara das mãos do rapaz e voltou para o sofá. Segurando agora duas xícaras. Uma em cada mão — Ele é meu.

Alex ficou estático, encarando a cena mais inusitada que poderia presenciar nos últimos anos de sua vida: Katherine segurando ambas as xícaras, como uma menina birrenta que fica disputando o lanche na hora do recreio. Então aquela era a forma que havia escolhido para demonstrar que estava chateada demais? Provavelmente. O rapaz deixou um suspiro escapar e frustrou-se. Queria provar do chocolate-quente, afinal era sua bebida favorita desde que se entendia por gente. Pegou a garrafa em mãos e retirou a tampa, tentando recuperar algum vestígio. A garota virou o rosto mais uma vez e deparou-se com a cena; ele parecia concentrado demais em alcançar com o dedo as últimas gotas do chocolate. Um sorriso discreto surgiu em seus lábios, achando graça no que via; ele estava realmente empenhado e por um segundo, sentiu-se arrependida por ter tomado a xícara dele. Mas, lembrou-se no mesmo instante das coisas horríveis que já havia sido obrigada a ouvir. Deu de ombros, voltando a encarar a TV.