No alvo! A flecha atirada por Cath fincou-se em um ponto pintado na árvore.
– Melhor se preparar para mais noites como a passada, Catherine. Não quero acabar com o seu humor, por isso quero avisar, desde já, que teremos não só mais uma noite como a passada, como dois longos dias de nevasca... Isto quer dizer que estamos falando em cinquenta e duas horas de frio intenso. A propósito, bela mira!
Ethan pronunciou essas palavras com um sorriso sarcástico, apesar de reconhecer que a garota atirara a flecha com perfeição no ar.
– Uma flecha atirada jamais retrocede. – disse Catherine. – Não posso voltar atrás e ficar em casa sentada, diante de uma TV, assistindo a seriados e comerciais idiotas, enquanto Peter se diverte sem mim. E acredite Ethan, eu viria tantas vezes quantas fossem necessárias, odeio perder a aventura... E o frio não é para sempre.
Após terminar de falar, Catherine esticou o braço e em suas mãos foram depositados um arco e uma flecha. As criaturas emitiram seus sons machistas, como se estivessem em um cabaré, onde Catherine fosse a única fêmea desfrutável, para fazer brotar a alegria alheia.
Ela amarrou o cabelo em um rabo-de-cavalo frouxo, deixando alguns fios soltos, que ficaram colados em seu rosto por conta do suor.
Não era possível esconder o quanto Peter ficou excitado com a cena – mas não do modo que você deve estar imaginando. Ele ficou morrendo de ciúmes, por ver a sua namorada sendo desejada por um batalhão de criaturas tatuadas e fedorentas. Para ele isso era inadmissível.
Catherine colocou a flecha no arco e a atirou. A flecha serpenteou no ar, numa velocidade quase absurda, e fincou-se no tronco de uma árvore. As criaturas gritaram e assoviaram; ela sorriu, inclinou-se e levantou a ponta da saia enquanto Peter dançava em fúria.
Lembranças.
Era óbvio que ela jamais se esqueceria de como atirar uma flecha. Peter se lembrava perfeitamente daquelas tardes em que ela e o pai iam ao parque e ele sempre fazia questão de que ela aprendesse como “viviam os índios”. Então, todas as tardes, de domingo a domingo, os dois treinavam arco e flecha no parque. Peter bem que tentou aprender a usar aquilo, o fato era que ele não levava o menor jeito para a coisa... Também, quando em sua vida imaginaria que precisaria das aulas no parque, dadas pelo senhor Hall?
Hoje Peter parecia dar mais valor às coisas da vida. Percebeu, então, que tudo que aprendemos na vida tem um porquê, não importa se esta coisa seja fingir que bala “Tic-Tac” é pílula, ou se a brincadeira seja atirar uma flecha no alvo. Não importa, basta apenas decifrar o código da vida.
Peter preferiu não ver a cena. Ele era um inútil, até Cath parecia mais treinada para a função de salvador do mundo do que ele... Ela deveria ser a última Eva, quem sabe as criaturas não teriam mais chances de sobreviver?
De frente para o rio límpido, olhando suas águas calmas, Peter procurou pelo seu outro ‘eu’ psicólogo. Porém o lago não passava de um espelho com o vento a soprar sua lâmina d’água, o que o fazia ganhar vida naquela paisagem monótona.
– Está triste? – era a voz de Catherine às suas costas.
Os braços dela o apertaram por trás, seus lábios rosados tocaram a sua nuca e foi irresistível. Os pelos do seu corpo se eriçaram, ele gostava daquilo, tanto quanto gostava dos lábios dela nos seus.
– Não! Mas sinto falta de alguma coisa. – Peter apanhou uma pedrinha e atirou-a no lago, ela quicou cinco vezes até afundar. – Quando somos crianças tudo o que queremos é assistir desenhos animados. No decorrer da vida, quando crescemos, então percebemos que estamos assistindo a filmes de horror e assassinato. É nessa fase que você senta diante da TV, aquele seu desenho preferido acabou de começar e, por mais que se sinta entusiasmado, você percebe que ele já não te faz sorrir, a graça acabou, porque sempre saberemos que o Tom vai se dar mal e o Jerry acabará sentado num suculento queijo, curtindo sua vitória.

VOCÊ ESTÁ LENDO
O último Adão
FantasyQuais mistérios um garoto aparentemente comum pode carregar consigo? Quão rapidamente sua rotina pode virar uma aventura alucinante? Essas e outras perguntas atravessaram o caminho de Peter, cuja vida monótona escorregava entre seus dedos enquanto f...