Capitulo Um

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Era tarde da noite. Tudo o que era possível escutar eram os passos de Peter ecoarem em intervalos mínimos de uma poça de lama à outra. Ele passou por um prédio em ruínas e as luzes do poste piscaram por breve segundo. Só o que Peter desejava agora era poder deitar em sua cama aconchegante, como todos certamente estariam fazendo, mas nem tudo é como desejamos, afinal Deus não dá asas à cobra, e neste caso a cobra era ele.

Peter não tinha muito do que reclamar, já estava mais do que habituado a esta vida, principalmente a andar por ali todas as noites, exceto nos feriados.

Ele segurou a alça da mochila com força e concentrou o seu olhar no asfalto molhado. O celular em seu bolso direito vibrou, denunciando o fim da carga, então ele chegou à conclusão de que o tédio seria seu único aliado na sua jornada de regresso a sua casa. Peter cantarolou uma música qualquer na mente, tentando não ocupá-la com coisas absurdas, como o risco de um possível assalto, pois da última vez que voltava para casa, assim de noite, levaram sua mochila e tudo de valor que dentro dela estava.

Peter encolheu os olhos.

Um vulto atravessou o beco próximo a Peter, fazendo com que ele parasse abruptamente. Ele olhou para trás, depois para a sua esquerda e logo voltou a caminhar, chutando uma mini pedra que quicou duas vezes antes de retornar à inércia. Um carro passou às pressas, dele atiraram uma garrafa de cerveja que espatifou no chão negro e molhado. Peter teve pena daquelas pessoas dentro do automóvel, mal sabiam elas o que estavam fazendo com a própria vida.

O garoto, que andava sozinho, engoliu em seco o medo que sentia. Não queria imaginar o que poderia ser aquele vulto. Talvez não fosse nada. Era óbvio que aquele vulto, que pensara ter visto, era apenas uma miragem provocada pela frustração de não estar em casa, além do que, seus óculos vencidos contribuíam e muito para o caso.

Ele mordeu o lábio inferior e estalou os dedos – suas mais novas manias – livrando-se de qualquer tensão. Um gato atravessou a rua aos mios, assustando-o, e Peter amaldiçoou a bola de pelo, mentalmente.

Enquanto distraía sua mente praguejando, algo atingiu as costas de Peter, fazendo com que ele rolasse pelo asfalto molhado. O gosto de lama em sua boca não era nada atraente. Antes que parasse, sua cabeça bateu na quina de um prédio e ele pode sentir um líquido vermelho, quente e denso, escorrer pelo seu rosto. Nesse mesmo instante, ele imaginou que jamais chegaria à sua casa, jamais deitaria em sua cama quente e reconfortante, como uma pessoa normal. Pensou que, com toda certeza, não seria um médico responsável, um médico que todas as noites adoraria fazer plantão, e sentiu certo desespero ao imaginar que jamais veria outra vez sua mãe problemática e sua irmãzinha, aparentemente frágil, que tanto necessitavam dos seus cuidados.

Peter levantou do chão com a mão na testa e o sangue a escorrer face abaixo. Seus olhos percorreram a escuridão, queria poder encontrar o seu agressor e matá-lo com as suas próprias mãos, isso se a dor em seu cérebro não o tirasse do jogo antes mesmo de iniciar a vingança.

Caiu.

Seu rosto bateu no chão com força, os músculos de sua face se contraíram e ele sentiu o rosto pegando fogo. Respirou fundo e pediu a Deus para que Ele perdoasse todos os pecados que já praticara. Quando abriu os olhos, algo pressionou a sua boca fazendo-o se debater no chão como um animal acuado. Peter lutava com aquilo que tentava sufocá-lo, mas a cada segundo aquele peso sobre o seu corpo era maior e o deixava incapacitado de qualquer ação.

Uma lata de lixo emborcou ecoando miados. Com os braços presos no asfalto, Peter tateou o chão, encontrou uma pedra e elevou aquela massa com toda a força que conseguia exercer no momento, atingindo o crânio do seu agressor. Ele empurrou o peso para o lado, mas todo aquele incrível trabalho pareceu ser inútil, pois voltou a ser asfixiado com mais brutalidade.

O último AdãoOnde histórias criam vida. Descubra agora