Te carreguei no colo...

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— Tá lá no quartinho que ele dormia "cá" mãe dele. Fui espiar agora, faz bem pouco tempo e ele pegou no sono.

Pedro deu aquela suspirada e entrou no quarto onde o menino ao dormir ainda soluçava como se tivesse chorado muito e segurava um short de pijama de sua mãe perto do nariz.

— Ele tava chorando e eu fiz uma mamadeira com nescau, mas nem tomou.

O coração de Pedro sempre se sensibilizava quando olhava Lucas como o pequeno anjo, que aos cinco anos ainda tomava seu leite na mamadeira e mastigava uma chupeta azul para irritar dona Sandra. Havia muita cobrança naquela criancinha para que se comportasse como um menino mais velho, que obedecesse ou que não respondesse ou que não mexesse em nada.

— Acho que vou levar ele lá pra casa, porque amanhã bem cedo o senhor levanta aí ele pode dormir que a gente fica de olho.

Os olhos do velho ficaram marejados e este se desviou de Pedro.

— Isso, leva. Ele só vai pra creche de tarde.

Pedro levantou aquele corpinho leve, miúdo e tão frágil, com aquele rostinho delicado de criança que sentiu vontade de por um beijinho em sua bochecha. E assim o carregou no colo até em casa.

Tinha convencido Lucas de que eram amigos e tinha que agir como tal. Tomaria parte na educação do menino, tentando dar a máxima atenção para que ele sentisse que o mundo não era feito só pelos "inimigos" que ele criou a partir da raiva adquirida com o método com o qual fora "educado".

— Nossa. Onde ele tava? Meu Deus, quanta preocupação que ele dá. — Dona Sandra estava furiosa.

— Tadinho dele, mãe. A dona Noíde já era um diabo de ruim, a mãe dele tinha preguiça de ser mãe...

— Preguiça? Olha que homem não dá valor para o que uma mulher passa. Acha que mãe tem preguiça. Você deixou...

Dona Sandra não chegou a completar a frase, mas Pedro sabia o que ela queria sugerir e novamente um "vale" se formaria entre eles.

.....

Uns meses após, Lucas completou seis anos e pela falta de crianças na fazenda, dona Sandra fez alguns doces para ele comemorar na escolinha com seus colegas.

— Pedro, os meus amigos da escola vão me dar muiiiitos presentes, sabia?

Pedro nunca vira o menino tão feliz. Ele não sabia como funcionava uma festinha na sala de aula da escola pública e ficou com receio de que o menino ficasse magoado, caso não ganhasse nada.

À tarde, cuidou de seus afazeres com seu pai e antes de ir pra faculdade, buscava Lucas na escolinha e lá veio ele muito calado e sem nada nas mãos.

Pedro o arrumou no banco de traz da caminhonete de seu pai e o menino cruzou os braços furioso, bufando pelas narinas e estreitando os olhos.

— Eu odeio todos os meus amigos!

— Ei, nada disso! Eles são seus amigos, Lucas. Não fica brabo só porque eles esqueceram o presente. Eu não esqueci, sabia?

O olhar do menino brilhou e um sorriso largo demonstrou que a mágoa com os coleguinhas da escola, já havia dissipado.

— O que você comprou? Oba, eu vou ganhar um presente? O que é?

— Dois presentes e tem uma porção de presentes bem pequenos nesses presentes. Adivinha...

Até em casa, Lucas havia chutado todas as coisas possíveis e impossíveis que se pode ganhar de presente, até mesmo osso de dinossauro, anzol, um casal de sapo, uma lata de minhoca pra jogar para os peixes e roupas... Foram palpites que faziam Pedro rir e o menino gargalhar estridente, o que foi uma festa particular só deles no trajeto até em casa.

Te carreguei no colo...Onde histórias criam vida. Descubra agora